Acordei cedo, cheio de boas intenções, a pensar em caminhar um bocado. Ainda estava na preguiça, veio a chuvada. Comecei a telefonar, ninguém se animava nas circunstâncias pluviais para uma incursão pelo campo. Percebi que era hoje que se esgotavam as desculpas para poder evitar arrumar o escritório. Eu explico: arrumar o meu escritório de casa é a pior coisa que me podem dizer para fazer. Sigo o princípio de meter numa pilha as cartas que chegam com os extractos dos bancos, as contas domésticas, os avisos do condomínio, as facturas da farmácia e por aí fora. Uma vez por ano, mais ou menos, arrumo tudo. Hoje deitei fora dois sacos do supermercado heios de papéis e cerca de um metro de altura de revistas diversas que vou guardando nunca percebi bem porquê, porque é raro voltar a folheá-las depois de as ter lido.
O resultado da aventura é que estive durante três horas a arrumar papelada. No fim o escritório estava irreconhecível: havia espaço no sofá para eu me sentar, em cima da secretária só ficou o computador, até encontrei receitas de petiscos alentejanos que às vezes peço à minha mãe para me escrever - e lá vou guardando os papéis pelo meio das correspondências. Recuperei uma receita de boleima e umas notas sobre a massada de peixe à moda da Nazaré, surgidas no fim de um jantar num tasco no Algarve há mais de um ano.
O dia não terminou sem desbastar duas semanas de jornais da sala - e nunca como nesse momento tive a sensação que foi gasto tanto papel para tão pouco.