November 28, 2005

O PARADOXO DOS NÚMEROS

As sondagens surgem contraditórias: quinta-feira as capas do «Público» e a do «DN» não podiam ser mais diferentes. As sondagens não são eleições, são indicadores que merecem ser estudados. Por isso mesmo faz sentido aprendermos a olhar para elas de uma outra forma, sobretudo aprendermos a lê-las, nomeadamente para que elas não se fiquem por parecer um paradioxo numérico. Se visitarem o blog «Margens de Erro» (http://www.margensdeerro.blogspot.com) poderão ter boas supresas – que desde logo passam pela análise entre as sondagens pré eleitorais das presidencias de 96 e 2001, comparadas com os respectivos resultyados finais. O autor, Pedro Magalhães, é o responsável pelas sondagens da Católica mas reconheça-se que analisa as sondagens disponíevis no mercado com rigor e isenção. Até aos dias das eleições este blog é de visita regular obrigatória.

Tenho uma simpatia especial pelos candidatos fora do sistema. Constato que as pessoas mais arrumadinhas que eu também se deixam seduzir – veja-se o posicionamento de Manuel Alegre: tenho para mim que ele recolhe tantas intenções de voto porque exprime o descontentamento com um sistema político falso, velho, baseado na mentira e na guerra palaciana. Mas devo reconhecer que a campanha que mais me agrada, mais imaginativa, com um recurso criativo maior à Net, é a do candidato Vieira – que sugere brigadas Vieira que colem autocolantes, que lança uma campanha de angariação de assinaturas dinâmica e que nos obriga a pensar sobre o significado real das eleições neste sistema. Como seria de esperar Manuel João Vieira apresenta a sua conferência de imprensa num local marcante: o velho Maxime, da Praça da Alegria. E, já agora, como ele é também um pintor de talento visitem a sua mais recente exposição que está até dia 3 de Dezembro na Galeria Arqué, Avenida Manuel Bombarda 120 A (de segunda a s´sbado das 11h00 às 21h00).

Por falar em exposições, em Sines o novo Centro de Artes estreia-se com uma inesperada mostra de inéditos de Graça Morais. A história é assim: a convite da Cãmara Municipal local, entre Julho e Outubro, Graça Morais improvisou um atelier no Castelo de Sines. O objectivo era preparar uma exposição que inaugurasse o novo Centro. Às vinte telas que resultaram desta residência castelar chamou-lhe «Os Olhos Azuis do Mar» e é inesperada face à obra anterior da artista. Graça Morais juntou-lhes uns desenhos e desafiou Augusto Brázio a escolher algumas das fotografias que lhe fez - a ver e a pintar - e que vinham no «DNA» de sexta-feira passada. «Os Olhos Azuis do Mar» será também um livro das edições ASA.

Harry Connick Jr. ganhou fama a cantar, acompanhando-se a ele próprio ao piano. Foi dos primeiros vocalistas da nova geração do jazz cantado – mas cedo se percebeu que era também um pianista de talento. Exactamente por isso Connick fez há uns anos um primeiro disco apenas ao piano, sem voz, e agora reincide com «Occasion, Connick On Piano, 2». Para o acompanhar fez uma escolha fantástica: o saxofone de Branford Marsalis. O resultado é simplesmente incontornável, o diálogo entre o piano e o saxofone é mágico, e palavra de honra que não estou a exagerar. São 13 temas (11 de Connick e 2 de Branford) cheios de encanto e com muito swing.

Deixem de lado os preconceitos e peguem no mais recente romance histórico de Fernando Campos, «O Cavaleiro da Águia». Francisco José Viegas não hesita: «poucas vezes um romance histórico português usa uma linguagem tão comovente, se perde e se deixa seduzir pela poesia. Campos é um mestre do romance histórico que passa em silêncio, sem muito ruído». Esta nova obra remonta aos primórdios da nacionalidade e está centrado na história de Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador, e das histórias à sua volta. Lê-se um fôlego e sabe a pouco no fim.

Em matéria de restauração começou recentemente a desenvolver-se um novo pólo que merece atenção, a partir da Avenida da Liberdade. De repente ali estão o «Ad Lib» (Hotel Sofitel, tel. 21 322 83 50), o indiano Tamarindo (Calçada da Glória 43, tel. 21 346 60 80), a emparelhar com propostas mais leves, já aqui referidas, como o Café Três e o Luca, ou ainda um antigo e injustamente pouco prezado local, o restaurante do Tivoli Jardim.
DITOS E DESMENTIDOS

Três figuras de primeiro plano do Partido Socialista estão envolvidas num debate sobre quem fala verdade e sobre quem mente. O assunto é a forma como terá sido escolhido o candidato socialista às presidenciais. Sócrates e Soares têm mantido uma versão, Manuel Alegre outra. As versões não são apenas ligeiramente diferentes, são radicalmente opostas. Numa situação destas apenas há uma certeza: alguém mente.
Já se sabe que a mentira é um expediente cada vez mais vulgar da política, mas quando a coisa envolve em suspeita dois candidatos presidenciais e um Primeiro Ministro em exercício, o assunto começa a ser preocupante.
Na essência está o processo de escolha e decisão da Direcção do PS sobre quem deveria ser o candidato. É uma questão que releva dos princípios democráticos de qualquer partido, mas também de uma noção de ética política.
A um observador externo parece que o Dr. Mário Soares, a certa altura, se decidiu a enfrentar Cavaco Silva e avisou dessa sua intenção o partido que fundou, impondo-a na prática. Talvez os dirigentes desse partido tenham preferido recuar nas hipóteses que começavam a colocar em cima da mesa, para não contrariarem o fundador. Psicanalistas e psicólogos poderão explicar este caso de relacionamento do PS e da sua direcção com o Dr. Soares.
O que me parece certo é que, ao contrário do que os seus cartazes dizem, Soares surgiu como um factor claro de divisão – e, quem nem sequer consegue unir os militantes do seu próprio partido, deveria ter pudor em se apresentar como o candidato ideal para unir os portugueses
Na essência ficará sempre no ar uma dúvida: quem mente? E quem ajuda à mentira?
Confesso que tenho alguma dificuldade, com os dados que existem, em achar que a mentira venha de Manuel Alegre.

November 20, 2005

A SICIALIZAÇÃO DO PAÍS

Há uma semelhança entre o cinema e a política. Para se conseguir sucesso tem que se ter um argumento credível e bons protagonistas. Um mau argumento pode dar cabo de uma boa história, erro na escolha das figuras principais pode demolir um projecto que parecia bom. Digam lá se o caso português não está cheio de situações destas, quer no Governo, quer na oposição?

Do lider da oposição esperar-se-ía que já tivesse perguntado ao Presidente da Republica se não acha que as tensões na área da justiça, da polícia, das forças armadas, dos professores e na Função Pública em geral não o preocupam. Está a fazer um ano que o PR resolveu dissolver o Parlamento depois de uma conversa com meia dúzia de banqueiros e financeiros, mas agora é que existe um clima de conflitualidade social como há muitos anos se não via, acompanhado de uma ainda maior degradação dos principais indices económicos e do agravamento do desemprego. Do líder da oposição esperar-se-ia apenas uma pergunta: «E agora, Senhor Presidente?».

As «Noites à Direita- Um Projecto Liberal» de quinta-feira passada foram dedicadas à economia, com uma bela conversa entre António Borges e Daniel Bessa e ambos coincidiram num retrato, semelhante, do país: dificuldade em fazer mudança, pouco debate ideológico, pouca abertura à inovação, elevado proteccionismo, pouca dinâmica social. Daniel Bessa, que curiosamente se classificou como um mero «consumidor de política» chegou a dizer que Portugal caminhava no sentido de se tornar semelhante à Sicília. Feito o diagnóstico, bem feito, diga-se, fica inevitavelmente uma pergunta: no actual quadro político-partidário será possível alterar as coisas? Os partidos que existem e o modo de funcionamento do regime não são eles próprios os pilares desta sicialização?

A AOL e a Warner anunciaram um novo serviço de Internet, In2TV, que permitirá aos utilizadores verem episódios inteiros de séries de televisão em «qualidade próxima da do DVD». O arranque do serviço está previsto para o início de 2006 e terá seis canais temáticos diferentes, acessíveis em banda larga normal com um software especial desenvolvido pela AOL e que para já será seu exclusivo. Quer dizer, está a nascer o novo universo dos canais exclusivamente pensados e programados para banda larga, sem necessidades de redes de emissão ou dos distribuidores de cabo pelo meio. A televisão, na realidade, está a deixar de ser o que era. E até por cá, mais dia menos dia, se há-de dar por isso.

VER – A próxima semana promete muita animação visual. Dia 23 inaugura mais uma edição da Arte Lisboa – Feira de Arte Contemporânea, que fica na FIL até dia 28 e integra as principais galerias nacionais e algumas espanholas. Entretanto na Estufa Fria, em Lisboa, já está a Anteciparte, que apresenta até dia 27 uma selecção da mais jovem expressão artística nacional.

DEVORAR – Misto de ler e de comer com os olhos, o livro «Na Roça Com Os Tachos» de João Carlos Silva, que, a partir de São Tomé e Principe, se tornou num caso raro de comunicação na televisão. As fotografias são de Adriana Freire, as receitas vão dos petiscos aos doces. Para as cozinhas, e em força!

OUVIR – Duas maneiras de ouvir uma nova e elogiada versão de «La Traviatta», dirigida por Carlo Rizzi à frente da Filarmónica de Viena e com as participações de Anna Trebenko como Violetta, Rolando Villazón como Alfredo e Thomas Hampson como Germont. Estreada em Salzburgo, esta nova versão da obra de Verdi tem sido elogiada. A Deustche Grammophon teve uma ideia editorial interessante: de um lado a edição da integral desta «La Traviatta», num CD duplo; do outro, e sob o título «Violetta», um CD que reúne as árias e duetos mais populares que percorrem a história de Violetta, com a voz de Anna Trebenko em particular destaque. Distribuição Universal Music.

BACK TO BASICS – Quando se aumenta o fosso entre as elites e as massas está a comprar-se um problema. Bem grande – basta ver o que se passa em França.
O CCB

A mais elementar justiça deve levar a recordar que o actual estado das coisas no CCB – que de repente se tornou preocupação nacional – vem do extraordinário Dr. Manuel Maria Carrilho, enquanto Ministro da Cultura. Foi ele quem nomeou o actual Presidente e quem fez alterações no modelo de funcionamento anteriormente existente.
Ao longo destes anos acentuou-se o afunilamento dos critérios de programação, ao mesmo tempo que se esvaziaram as parcerias criativas que garantiram muita da imagem de diversidade, hoje elogiada, que era a marca fundadora do CCB. No início da década de 90 assegurei o lançamento do Centro de Espectáculos, de que fui Director. Sei do que falo, dos planos que existiam, recordo-me bem dos autores dos planos e do que foi feito. E, do que não foi.
A partir da segunda metade da década de 90, a Administração do Centro começou a esvaziar as Direcções de conteúdos, chamou a si a decisão executiva, baseada em programadores as mais das vezes sectários e desligados da realidade da gestão de espaços daquela natureza e que curto-circuitavam as Direcções. Demorou uns anos, mas o resultado da inversão do caminho que estava a ser percorrido está agora à vista de todos. E, não é bonito de se ver. É nestas alturas que convém exercitar a memória e procurar a razão das coisas. A propósito, vale a pena ler o belo artigo de Alexandre Pomar na «Actual» do «Expresso» de sábado passado.
O CCB é um equipamento único. A crise em que vive neste momento devia levar a que o seu posicionamento, missão, estratégia e organização fossem repensados. Sem uma mudança profunda o CCB vai viver a chorar-se da crise orçamental e definhará aos poucos. Talvez possa ainda ser evitado.

November 18, 2005

TODO O MUNDO É COMPOSTO DE MUDANÇA


Há pouco menos de três anos, desafiado pelo Luís Marques, Administrador da RTP, comecei a trabalhar no projecto de lançamento de um canal de televisão em sinal aberto, feito em parceria com a sociedade civil, que sucedesse à RTP 2. Foi um projecto empolgante, assumido pela Administração da RTP, que estava incluído nas conclusões do relatório do grupo de trabalho sobre o serviço público de televisão, grupo esse que eu integrei em Junho de 2002. Mas, acima de tudo, foi a concretização de uma ideia provocatória e quase utópica lançada pela Presidente desse grupo, a Helena Vaz da Silva, a quem aqui desejo deixar uma palavra de recordação e saudade.

O projecto arrancou há dois anos, a 4 de Janeiro de 2004, depois de quase um ano de preparação. Foram – sem exagero - tempos fantásticos em que aprendi muitíssimo. Este não foi um projecto pessoal, foi um trabalho de equipa e aí reside a minha convicção de que tem condições para continuar, independentemente de quem o lidera mais directamente.

Quando aceitei este desafio tive claro que, em termos da minha vida profissional, ele devia ter um prazo, suficiente para que o projecto pudesse implantar-se, mas limitado no tempo. Acho o que sempre achei: na vida há muito poucas coisas definitivas. Não sou dos quadros da RTP, vim para aqui numa comissão de serviço que encarei como uma missão, nas exactas condições que tinha anteriormente. Essa missão, para mim, terminou. Fiz o melhor que sabia e devo aqui reconhecer publicamente o apoio que sempre tive do Conselho de Administração desta casa, mesmo nos momentos mais difíceis.

Não há projectos perfeitos e este não é excepção certamente. A equipa que tem trabalhado na 2: procurou, dentro dos meios de que dispunha, garantir o máximo de participação das 75 entidades da sociedade civil que estabeleceram protocolos de parceria connosco, procurou obedecer às directrizes do Contrato de Concessão Especial, nomeadamente na participação efectiva da sociedade civil, centrando a emissão na divulgação do conhecimento, numa programação singular para públicos infantis, cuidada e diversificada, na divulgação das expressões culturais e artísticas nacionais, com particular atenção aos cidadãos com dificuldades acrescidas de comunicação, apostando em ser complementar à RTP 1, o principal canal do serviço público de televisão. Produzimos nestes dois anos cerca de 20 documentários e gravámos uma dezena de óperas, concertos, recitais e bailados produzidos em Portugal. Trabalhámos quase exclusivamente com a produção independente.
Seleccionámos e programámos algumas das melhores séries de ficção e documentários da produção internacional que foram exibidas em Portugal neste período. Não fizemos mais que cumprir a nossa obrigação, dentro das condições orçamentais de que dispunhamos e que aceitámos.

Isto foi possível, nomeadamente, porque a Concessão Especial de Serviço Público permitia uma razoável dose de autonomia e abria um horizonte de evolução a médio prazo. É inteiramente legítimo que o accionista, que é o Estado, pretenda alterar o regime de Concessão existente, integrando a 2: na concessão geral de serviço público e limitando a possibilidade dessa evolução. Acontece, no entanto, que não foi nesse contexto que eu vim trabalhar para este projecto. Não faço juízos de valor, não quero fazer disto um drama, mas também não iludo a questão. Acho que chegou a altura de fazer o balanço e sair, abrindo a possibilidade a que outros desenvolvam o caminho, dentro do novo enquadramento e das novas regras que dentro de meses serão estabelecidas, de acordo com o programa do Governo e com as declarações dos seus responsáveis.

Quando a 2: arrancou obteve pouco mais de 3% de share no primeiro mês. Chegámos ao fim de 2004 com 4,4% de share, uma décima abaixo do objectivo que considerava razoável. Tudo indica que concluiremos este ano por volta dos 5% de share – e isto num horizonte de crescimento da penetração do Cabo. Estamos portanto acima dos objectivos traçados, em linha com o orçamento acordado, e sem alterações na tipologia de programação. Temos uma grelha estável, clara, segmentada por públicos, diversificada, mas arrumada e a cumprir horários. Um estudo divulgado esta semana mostra que a 2: foi o canal de sinal aberto que mais aumentou o tempo médio de visionamento e também o que conseguiu bons índices de fidelização de espectadores.

O meu tempo aqui está a chegar ao fim e isso, sinceramente, faz sentido. Projectos destes – de ruptura – precisam de ideias novas e de pessoas que contribuam permanentemente para alargar o que está feito. O meu sincero desejo é que isso aconteça.

Eu regressarei ao que sempre fiz ao longo dos anos, trabalhar em equipas que desenvolvem projectos – mas não é este nem o tempo nem o lugar para falar desse assunto. Para que não existam inquietações, no entanto, desejo deixar claro que a minha intenção de saída foi comunicada à Administração no dia 30 de Setembro, depois de ter aceite um projecto, que não é de televisão nem de produção audiovisual, e ao qual me dedicarei a partir de Janeiro de 2006.

Na 2: o orçamento para 2006 e respectivo plano de actividades ficaram prontos dentro das orientações decorrentes do plano de reestruturação económica e financeira da RTP, a grelha para 2006 ficou desenhada na totalidade e ficou alinhada para o primeiro trimestre do ano. Estão escolhidas e propostas as aquisições internacionais nas áreas infantis, de documentário e ficção, assim como se encontram em fase de elaboração de contrato as produções nacionais existentes e que continuam, assim como alguns novos documentários.

Uma palavra para o Jorge Wemans, que vai continuar o projecto, nestes dois anos trabalhámos nos projectos de parceria da Fundação Gulbenkian com a 2:. Desejo-lhe as maiores felicidades.


Três notas finais:
Um agradecimento especial às entidades com quem tive a honra e o privilégio de trabalhar ao longo destes três anos e que demonstraram que afinal alguma sociedade civil havia em Portugal. Permitam-me que personalize este agradecimento nos dois Presidentes do Conselho de Acompanhamento – o anterior, Dr. António Gomes de Pinho, e o actual, Dr. Guilherme de Oliveira Martins.

Uma palavra muito sentida de agradecimento às áreas da RTP, auxiliares da programação, das auto-promoções à sonoplastia, do grafismo às compras internacionais, dos estudos de audiências às relações institucionais. Se me esqueci de alguém as minhas desculpas. Uma palavra especial para a Antena 2 da RDP, com quem cedo começámos a fazer coisas em conjunto – ainda ontem isso aconteceu na gravação de um recital do pianista Domingos António.

E a minha última palavra – os últimos são sempre os primeiros - vai para a equipa da 2:, a grelha e preparação de emissão, o marketing, os parceiros e os conteúdos partilhados, os infantis, os musicais, as curtas metragens, a produção e o secretariado. Todos aceitaram vir para este projecto contra ventos e marés, sem benesses nem recompensas – antes pelo contrário por vezes – e todos trabalharam de forma entusiástica nesta ideia. Sem eles e elas, nada disto teria sido feito. Muito obrigado a todos. Conheci aqui bons amigos e levo boas recordações. É tempo de mudar, até porque, citando Camões, todo o mundo é composto de mudança.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

Luís de Camões

November 13, 2005

A SEMANA DA PRISA

MUDANÇA – A paisagem audiovisual ibérica mudou com a entrada em cena de um novo canal aberto, a «Cuatro». Vale a pena espreitar o site www.cuatro.com e explorar as informações, ver o grafismo, dar uma olhadela aos conteúdos on line (que incluem alguns programas). O site é muito bom, a Cuatro quer alcançar um share de 5% até ao fim do ano. Tudo isto, por acaso acontece na mesma semana em que a Prisa, detentora da Cuatro, concluíu em Portugal a compra de uma participação significativa na Media Capital. A Prisa passou assim a ser, a partir desta semana, a empresa com maior peso no audiovisual dos dois países ibéricos, de facto controlando duas estações de televisão em sinal aberto, uma em cada um deles, e algumas das mais importantes estações de rádio.

PORTUGAL – No recente Mercado Internacional de Programas de Televisão, que decorreu em Cannes, quase todos os países da União Europeia, incluindo grande parte dos que integraram o mais recente alargamento, estavam representados com stands institucionais. Alguns, como a Espanha, a Irlanda, a Itália, a França, organizaram espaços-umbrella que acolhiam produtores independentes e estações de televisão, e, claro, film commissions. No caso espanhol era o instituto do comércio externo um dos impulsionadores da excelente representação. Portugal continua sem aparecer – nem como produtor, nem como destino de acolhimento de produções – não admira, continuamos sem ter uma Film Commission. Bem pode Pedro Bidarra dizer, com razão, que Portugal devia ser promovido como a California da Europa. O problema é que depois ninguém quer fazer nada por isso. Quase qualquer país dos presentes tinha Film Commissions bem organizadas, com informação sobre vantagens fiscais e outras que permitam atrair investimento. Aqui o ICEP vai fazendo uma Marca Portugal que quase ninguém entende e parece gastar mais energias no mercado interno que no externo. Um bocadinho paradoxal, não é?

É A ECONOMIA – Na próxima quarta feira António Borges e Daniel Bessa são os convidados de mais uma «Noite à Direita – Projecto Liberal», desta vez dedicada à situação económica e inevitavelmente ao Orçamento de Estado. O moderador será Martim Avillez Figueiredo e a bela sala da Sociedade de Geografia, junto ao Coliseu de Lisboa, será o ponto de encontro a partir das 20h30, já jantadinhos se fazem favor. Com participantes destes a discussão promete e a audiência não costuma ser branda nas perguntas e intervenções – como aliás se pretende.

VER –Puxando a brasa à minha sardinha não resisto a recomendar a estreia, hoje, sexta-feira dia 11, pelas 21h00, na 2: de uma série de documentários sobre o quotidiano da vida e da criação artística nos países africanos de expressão portuguesa, Imagináfrica. Hoje o tema é a História da Música Popular de Angola, desde os anos 60 com nomes como Liceu Vieira Dias e os N’Gola Ritmos até aos rappers contemporâneos. A realização é do angolano Jorge António e acreditem que é mesmo um belo documentário.

OUVIR – Acontece-me muito associar discos a momentos e a pessoas. «Let It Die» da canadiana Feist tornou-se num disco muito especial. É certo que a voz quase hipnótica de Feist, a servir poemas invulgarmente ricos, ajuda muito. Delicada e envolvente é irresistível quando canta «it’s the scene you set for new lovers/you play your part painting it a new start». CD Polydor, distribuído pela Universal.

JANTAR – Já aqui falei do Luca, um simpático restaurante italiano no centro de Lisboa. É difícil encontrar uma relação de qualidade-preço tão agradável e com um serviço tão eficaz, como neste local. A comida tem propostas variadas (não exclusivamente italianas), a garrafeira tem boas sugestões a preços razoáveis e o ambiente é descontraído e nada pretencioso. Há poucos dias jantei lá uma excelente sela de borrego com lentilhas e os restantes comensais também gostaram das respectivas escolhas. Para entreter a boca há um bom pão, para molhar em azeite transmontano da melhor qualidade. Nessa noite bebeu-se Chaminé, tinto, e ninguém se arrependeu. Rua de Santa Marta 35, telefone 213 150 212.

BACK TO BASICS – Quem nem o seu próprio partido consegue unir não devia fazer um cartaz a vangloriar-se de ser o melhor para unir os portugueses. Soares, mais uma vez, é só promessas.

November 07, 2005

OS NEGÓCIOS DA OTA

O Governo anunciou que a construção do novo aeroporto na OTA vai avançar. Anunciou-o em jeito de guerra a quem se lhe opõe. Na prática, disse que a OTA avança contra tudo e contra todos. Em parte é assim, mas como existem bastas suspeitas de que também avança porque pode favorecer alguns, é no mínimo de elementar justiça que tudo fique bem transparente.
Para ir direito ao assunto, deve ser esclarecida a questão da propriedade dos terrenos na zona onde eventualmente nascerá o novo aeroporto. Desde que a localização foi anunciada circulam histórias que envolvem muita gente, uma mais pública, outra menos. Para que o regime não se desacredite ainda mais é de elementar bom senso fazer uma investigação séria sobre as trocas de propriedade de terrenos na região nos últimos anos. As suspeitas de que tenha havido utilização de informação privilegiada em negócios imobiliários existem. Para que o boato não se torne incontrolável, nada como apurar a verdade.
Agora, o estilo: o Governo anunciou uma certeza, que nomeadamente tem repercussões em Lisboa, sem ter trabalhado seriamente o assunto com a autarquia. Carmona Rodrigues teve razão no seu discurso de posse – que ao contrário do que alguns disseram não foi essencialmente político – foi técnico e ele apontou bem os parâmetros. Só que o Governo persiste em ignorar o que pessoas sensatas dizem – aquele local não serve bem Lisboa e vai provocar graves prejuízos. Leiam, por exemplo, o que sobre a matéria disse Belmiro de Azevedo, ao colocar fortes reservas à prioridade e rentabilidade de um investimento como a OTA.
Resta-me uma suspeita: se a OTA for para a frente, mais que um negócio vão ser geradas muitas negociatas. Negociatas que hão-de, também, servir para alimentar muitas campanhas eleitorais nos próximos anos. Ninguém me tira da cabeça que isso é das fortes razões para que os políticos queiram que avance o que os técnicos dizem que não faz sentido ser feito.
O CINEMA SÃO JORGE

Antes de mais uma pequena e pouco edificante história: No final do mandato autárquico do Dr. João Soares, em Lisboa, a Câmara Municipal comprou o Cinema São Jorge a promotores imobiliários, obviamente sem saber o que lhe fazer, que utilização lhe dar. Fez uma obras e pôs lá cinema a exibir. As obras foram de cenário: tinta nas paredes, limpeza geral, máquinas de projectar e sistema de som modernizados. O grosso do problema ficou por resolver: o sistema eléctrico, que é ainda o primitivo e se encontra em situação de risco, as infiltrações na cobertura que agravam o perigo de um curto-circuito, climatização inexistente de facto. Pelo meio há umas pantominices engraçadas: os políticos que obrigaram técnicos a certificar a segurança de sistemas (nomeadamente na área eléctrica) que notoriamente a não tinham, uma programação de cinema ao sabor das disponibilidades das distribuidoras, etc. É claro que a equipa do Cinema era esforçada e tentava fazer o melhor, vendendo a ilusão de que a sala podia funcionar.

O S. Jorge é o exemplo acabado de como as pressões de lobbys e de uma pretensa opinião pública, em nome de uma mística salvaguarda do património e das memórias, podem levar a becos sem saída. Sem estratégia definida, em más condições físicas, o Cinema S. Jorge acabou por fechar, provavelmente tarde demais, em nome de conceitos elementares de segurança, antes que aquilo tudo ardesse a meio de uma cerimónia qualquer. E para o fechar, mesmo com o risco que existia, foi preciso bater o pé e contrariar velhos do restelo.

Temos agora ali a sala. Enorme. A precisar de obras estruturais. Se persistir a mania de fazer do Parque Mayer um cemitério de elefantes (equipamentos culturais, delineados sem cuidar de saber se são necessários), há que pensar seriamente que pode ser o S. Jorge no meio de uma selva de salas. Deve reconstruir-se a sala na sua dimensão original, de cerca de 1100 lugares? O destino principal deve ser a música, ou um centro de audiovisuais – apesar de a Cinemateca estar mesmo ali ao lado? Justifica-se aquele imobilizado para isto? Ou, como durante algum tempo se tentou, faz mais sentido traçar um cadernos de encargos e abrir concurso para concessão da sala a privados, que a mantenham como sala de espectáculos, garantam a sua recuperação e utilização – como é o Coliseu, por exemplo?

O que este assunto traz à baila é a imperiosa necessidade de a Câmara Municipal estudar e decidir que perfil quer dar às salas de espectáculo e equipamentos culturais que possui (em número já excessivo), que não faça mais salas sem saber o que lá vai pôr dentro, como e a que preço e que, sobretudo, não arranje novos compromissos sem resolver os problemas que agora já existem.

COMIDA – Mesmo por trás do Ministério das Finanças, entre o Terreiro
do Paço e a Casa dos Bicos, encontra-se o restaurante Alfândega, na
rua do mesmo nome É um espaço antigo bem recuperado e bem decorado, a criar logo um bom ambiente. À hora de almoço passam por ali os
funcionários das redondezas, o jantar é mais movimentado e
descontraído. As ementas são diferentes nas duas refeições, mais
tradicional na primeira, mais arriscada e diversificada na segunda. Ao
almoço comi um «cozido de Outono», à base de grão, com enchidos de boa
qualidade. O serviço é muito simpático, existem várias opções de
vinho a copo, numa mistura entre valores seguros e boas novidades. As
reservas podem ser feitas pelo 218861683 e a casa fica no nº98 da Rua
da Alfândega. Aberto de segunda a sexta das 10H00 às 02H00 e ao sábado
apenas à noite, a partir das 20H00.

LEITURA – A edição britânica, de Outubro, da revista «Vanity Fair»,
uma das referências do jornalismo de investigação, traz na capa Paris
Hilton, explica como através das suas marcas – de perfumes a uma
cadeia de discotecas - ganhou sete milhões de dólares no ano passado e
porque é que Camille Paglia acha que ela tem apreciável significado
cultural. E a mesma edição volta a analisar o caso Watergate com um
dos seus protagonistas, Carl Bernstein.

BANDA SONORA – «Tender», o disco de estreia de Marta Hugon, feito de standards de jazz, numa interpretação vocal contida e criativa, servida por grandes interpretações de músicos como Filipe Melo no piano, Bernardo Moreira no contrabaixo e André Sousa Machado na bateria. A produção foi do grande Elvis Veiguinha: certeira e eficaz.


BACK TO BASICS – Quem vai a eleições tem que aceitar as regras do jogo democrático. Não pode fazer como Rui Rio e armar-se em tiranete e detentor da verdade por ter tido maioria absoluta.