October 25, 2004

AS FLORES – Era muito mais cómodo escrever sobre flores nesta semana que fechou. Há quem escreva sobre a outonal queda das folhas, há quem disserte sobre a Turquia, há quem se refugie no futebol. Deixemos o interlúdio. Há muita coisa que não vai bem, e o melhor seria encarar os assuntos de frente. O autismo, nos círculos do poder, pode revestir a forma de uma epidemia mortífera.

A MÁSCARA – Há poucos dias o advogado José Sá Fernandes deixou cair a máscara: depois de provocar a interrupção das obras do túnel do Marquês, e a escasssas semanas de existir uma decisão sobre o assunto, veio requerer que fosse restabelecido o pavimento. Prova-se assim que o seu objectivo não tem a bondade que sugere, mas apenas o de evitar, de facto, a concretização de obras públicas, desde que isso lhe dê exposição. Depois de meses sem se preocupar com os incómodos e prejuízos que causou, deu-lhe um súbito acesso de bondade? Mais curioso é o facto de ter feito constar nas redacções dos jornais que o requerimento sobre o assunto estava entregue, antes mesmo de ele dar entrada nos serviços da Câmara Municipal. Afinal que pretende: impacto mediático ou acção concreta? Que triste figura...

A POLÉMICA – Continuo a achar que a memória é o nosso melhor arquivo, um dos nossos bons instrumentos de trabalho que nunca devemos desprezar. Anda tudo numa roda viva sobre a liberdade de imprensa, sobre a independência dos órgãos de comunicação do Estado, mas ninguém se lembra como, há uns anos atrás, surgiram os nomes de Joaquim Vieira e Joaquim Furtado para a Direcção da RTP, e, mais tarde de Emídio Rangel? Basta uma consulta detalhada à imprensa da época para se ver quem, dentro do Governo da época, eram os impulsionadores dessas nomeações. Nas redacções deve haver quem se recorde do que as fontes contavam por essa época. Na altura não houve o actual coro de protestos, apesar de terem existido de facto decisões, em vez de um curioso debate sobre a regulação, que é o que agora existiu. Pode ser que se tenham apagado muitas diferenças entre a esquerda e a direita, mas continuam a existir preconceitos, até entre os mais insuspeitos. Vista a frio, a coisa é assim: nas redacções continua a seguir-se o lema de que quando a esquerda actua se deve ser complacente, quando a direita sugere se deve ser implacável; a esquerda é vestida para aparecer como criativa, a direita como manipuladora. Este livro de estilo dos justiceiros é o que de pior existe no jornalismo português – e que tem origens, causas e métodos bem conhecidos. Não vale a pena sermos hipócritas: em matéria de condicionamento político da comunicação social este Governo é um menino de côro, comparado com as diatribes do Dr. Jorge Coelho. Embora encoberta e não publicada em «Diário da República», a central de informação do Governo era bem mais eficaz e notória nessa época – será que já não anda por aí ninguém que estivesse nas redacções nessa época?

BACK TO BASICS – Só se devem publicar correcções ou desmentidos referentes a factos que tenhamos reportado, e não em relação ao que foi reportado por terceiros (do livro de estilo da Associated Press, citado de memória).

O MELHOR DA SEMANA – A nova agenda cultural da Câmara Municipal de Lisboa, a «Agenda Lx». Jorge Silva voltou a acertar no alvo com um grafismo claro, elegante e moderno – três características que, em geral, muita falta fazem.

O PIOR DA SEMANA – A carga policial de quarta-feira na Universidade de Coimbra. Os anos passam, a forma de agir da polícia não muda – e não presta.

A PERGUNTA DA SEMANA – Numa semana tão barulhenta como é que ninguém falou do ruído?

RECOMENDAÇÃO –A banda sonora do filme De-Lovely, baseado em canções de Cole Porter, com Sheryl Crow, Elvis Costello, Diana Krall, Ashley Judd, Robbie Williams e Alanis Morissette, entre outros.