September 28, 2004

DEBATE – Apesar dos ataques pessoais iniciais – às vezes a roçarem a intriga - o debate em torno das eleições para Secretário-Geral significa um considerável avanço em termos da actividade partidária em Portugal. Na verdade trata-se de umas eleições primárias entre vários candidatos do mesmo partido, que durante umas semanas mostraram diferenças, expuseram divergências, delinearam estratégias e tácticas para o futuro. É um bom princípio – contraria a perversão do unanimismo, os debates redutores dos Congressos (cada vez menos interessantes...), estende a discussão à própria sociedade. É certo que o modelo das «primárias», nos Estados Unidos, dura vários meses e acaba por ser o processo determinante – lá as Convenções são apenas um ritual de celebração, mais mediático que outra coisa, e tão previsível que as próprias televisões já começaram a deixar de lhes dar grande importância. O PS foi o primeiro partido a seguir, e bem, esta via que, por acaso, já havia sido proposta para o PSD há uns anos por Pedro Santana Lopes.

AULAS – Vale a pena recordar aqui uma questão básica: a primeira obrigação do Estado é em relação aos alunos. Isto parece uma evidência mas o que é facto é que, ao longo dos anos, o Ministério da Educação tem conseguido afastar-se progressivamente dos alunos, parecendo apostado em ser mais uma estrutura de defesa dos professores do que dos educandos. Acho que não é exagero dizer-se que todo o funcionamento do Ministério da Educação se organiza em torno das carreiras dos Professores, dos seus direitos, do que dos deveres do Estado para com os alunos e suas famílias. Talvez esteja aqui, nesta recorrente forma de pensar e trabalhar no Ministério da Educação ao longo de décadas, uma das explicações para todos os problemas que nos últimas semanas saltaram para a opinião pública. E este era um bom assunto a debater: quem deve o Ministério da Educação considerar uma prioridade?

PARLAMENTO – Leio nos jornais e não acredito: «deputados faltaram em massa ao debate sobre o novo código da estrada». O que se passa nas estradas portuguesas brada aos céus, a mudança do Código é imperiosa, a penalização severa das infracções é uma necessidade, a actualização dos conceitos e das regras uma evidência e os deputados não querem saber? Milhares de acidentes e de vítimas não são motivo suficiente para motivarem o plenário, que se enche por qualquer querela política de sgunda no período de antes da ordem do dia? Mas mais espantoso ainda é ter lido algures que alguma oposição classificava de repressivas em excesso algumas das novas medidas previstas. E como classificam a atitude do juiz que mandou em liberdade, sem medidas de coacção, sem sequer interdição de condução, o responsável por um acidente que numa noite destas matou duas jovens em pleno centro de Lisboa e ainda por cima se pôs em fuga?

BACK TO BASICS – Fazer é melhor que falar.

O MELHOR DA SEMANA – O terminal rodoviário foi para Sete Rios e no seu antigo local, no Arco do Cego, vai nascer um jardim. Aos poucos a cidade vai mudando.

O PIOR DA SEMANA – O Sporting- Marítimo.

A PERGUNTA – Será que os clubes de futebol não sabem que quando vendem direitos de transmissão dos jogos são supostos venderem espectáculo e não apenas imagens de 22 homens a correrem num relvado?

SUGESTÃO – A arrebatadora interpretação dos Scherzi e Impromptus de Chopin pelo pianista chinês Yundi Li, sim o do anúncio da Nike.







September 23, 2004

MADONNA – O incontornável espectáculo do ano em Portugal ultrapassou em muito um concerto. A utilização dos audiovisuais em permanente contraponto, secundarizou os músicos, à partida colocados acessoriamente nos lados do palco, escondidos como as orquestras nos fossos dos teatros tradicionais. Um trabalho cénico a evocar muitas vezes a ópera transformou o Pavilhão Atlântico numa sala completamente diferente do que já conhecíamos. Em 1984, aquando do lançamento do seu primeiro disco, «Like A Virgin», escrevi no «Expresso» que estava a nascer uma estrela pop de um novo género, como até aí ainda não se conhecia, e que iria revolucionar espectáculo como nós o encarávamos. Não sou adivinho, mas os indícios estavam lá, nas letras, na pose, nas fotografias, na comunicação, nos materiais de promoção, nas entrevistas – alguns se riram do que consideraram, na altura, um exagero; pelos vistos, não foi. O facto de Lisboa e o seu Pavilhão terem sido escolhidos para palco da rodagem da digressão do DVD desta digressão vai ter boas consequências e dar ainda mais notoriedade ao Atlântico e à sua equipa técnica que tão bem acolhem as mais complexas produções. Sem uma sala como o Atlântico, vale a pena dizê-lo, mais dificilmente passariam por Lisboa alguns dos grandes concertos que nos têm visitado nos últimos anos. E vale a pena mantê-la no domínio público, porque ela é incontornável parte da cidade.

ALCOOLISMO – Ainda na semana passada foi divulgado um estudo que mostra números assustadores sobre o crescimento do consumo de bebidas alcoólicas entre os jovens portugueses, com todas as consequências que isso traz. Perante uma situação como esta,como se pode encarar a moda surgida este ano numa das discotecas mais famosas do Algarve, direccionada para um público juvenil, que colocava o bar aberto, sem limites, para uma noite inteira, a 20 euros? Há muito que fazer na regulamentação das discotecas e da venda de bebidas alcoólicas.

MAÇONARIA – Vale a pena reter as palavras do artigo desta semana, no «Público», de Eduardo Cintra Torres: «Trinta anos depois da instauração da democracia, existem ainda sociedades secretas com membros em postos importantíssimos do Estado reivindicando a democracia, dizendo defender a democracia, dizendo-se até mais democráticos que outros, mas que não observam a mais elementar das regras da democracia: a participação aberta na sociedade aberta, a divulgação franca pelos seus membros dos objectivos da sua militância. O que significa ser maçon e ocupar um cargo no aparelho do Estado? Quais as consequências? No caso de um partido, tal é público ou semipúblico. E se o não é, há os "media" e há regras para se saber, dado que os partidos não estão fora do aparelho de Estado(...)E no caso de uma organização secreta? Conhecer os princípios dessa organização pouco me diz, pois todas as cartilhas devem ser confrontadas com as práticas e no caso de uma sociedade secreta não poderei sabê-lo e o Estado não tem meios de o saber nem de disponibilizar aos cidadãos a legítima informação a que têm direito. »

BACK TO BASICS – Os orgãos de soberania não devem interferir nos media, nem pressionar a sua programação ou linha editorial.

O MELHOR DA SEMANA – O magnífico novo anúncio do Sapo, da PT, na fotocopiadora, quer na versão de televisão, quer na de rádio.

O PIOR DA SEMANA – A TV Cabo continua sem colocar o Fashion TV no seu acesso universal, mantendo-o apenas no restrito universo digital. Resta-me o consolo de ao fim de semana poder ver Fashion TV na Cabovisão.

A PERGUNTA – Qual será a entidade, que agrupa vários partidos, que acha que Portugal é o Burkina Faso em matéria de utilização dos orgãos de comunicação?

SUGESTÃO – O livro para crianças de Miguel Sousa Tavares, «O Segredo do Rio», com ilustrações de Fernanda Fragateiro.

September 13, 2004

A ESQUINA IMPRESSA ( da edição de sexta-feira passada do «Jornal de Negócios»)

O NOVO QUOTIDIANO

TERROR – Três anos depois do 11 de Setembro o terror instalou-se no nosso quotidiano e esta é a maior perversidade da História recente. Agora, de seis em seis meses, o mundo assiste a uma catástrofe: em Março foi em Espanha, a semana passada na escola de Beslam. A ausência de respeito pela vida humana tornou-se um hábito. Os atentados terroristas entraram na mais cruel das rotinas e de seis em seis meses provocam centenas de mortos. O Mundo está a mudar e não é para melhor. A intolerância política e religiosa leva-nos para um abismo.

POLÍTICA – Muito curioso o artigo da edição de Setembro da revista «Wired» sobre a nova política que começa a aparecer nos Estados Unidos, radicais que ganham flexibilidade, desenvolvem a sua acção à margem dos partidos e dominam a comunicação directa com os eleitores. Um ponto de vista moderado, liberal do ponto de vista social, e conservador do ponto de vista económico, posiciona estes políticos como à esquerda dos Republicanos e à direita dos Democratas. O exemplo apontado de caso de sucesso nesta linha é o de Arnorld Schwarzenegger, apontado como o melhor governador da Califórnia dos últimos anos, com taxas de reconhecimento superiores a 60%. O artigo sublinha ainda o papel dos novos media na angariação de fundos e na publicidade e defende que as novas técnicas de marketing político «funcionam com uma geração desiludida pela política convencional».

AGITAÇÃO – O último trimestre do ano promete ser quente, do ponto de vista político. Primeiro a disputada votação para Secretário Geral do PS, depois o Congresso deste partido nos dias 1, 2 e 3 de Outubro. Logo a seguir as eleições regionais nos Açores e Madeira a 17 de Outubro. A 12 e 14 de Novembro o PSD faz Congresso e pelo meio renova imagem e procura ganhar a participação de independentes. E, a terminar, o PCP também reúne congresso nos dias 26,27 e 28 de Novembro. Aguarda-se que o PP diga como fecha o ciclo – o seu site na net continua inacessível.

SOL – A sonda Genesis despenhou-se e com ela o trabalho de três anos, 850 dias de pesquisa sobre a origem da composição do sistema solar há 45 biliões de anos atrás. Pesada factura para a NASA: 264 milhões de dolares. Mas fica o exemplo do que é a percepção da necessidade do investimento no conhecimento, na descoberta.

ABORTO – Uma reportagem na «Visão» diz-nos que dez mil mulheres portuguesas abortam por ano em Espoanha, três mil das quais aqui mesmo ao lado, em Badajoz. O fundamentalismo aliado à hipocrisia produz uma mistura explosiva.

DE VOLTA AOS PRINCÍPIOS – Não é verdade que os gostos não se discutem .Os gostos devem discutir-se. Têm que se discutir, para não ficarmos todos iguais.

O MELHOR DA SEMANA – A atribuição de um Leão de Ouro, no Festival de Veneza, em homenagem à obra do cineasta português Manoel de Oliveira.

O PIOR DA SEMANA – A Galp não conseguiu comprar a rêde da Shell em Espanha.

A PERGUNTA – Porque será que o PCP perdeu 50 000 militantes nos últimos quatro anos?
SUGESTÃO–Os petiscos de comida caseira do Apuradinho, na Rua de Campolide (213880501).

September 10, 2004

POR OUTRA DIREITA

As últimas semanas ficam marcadas por dois grandes debates: um, no interior do PS, em torno das três candidaturas a Secretário-Geral; e o que nasceu em torno da proibição de entrada em Portugal do chamado «Barco do Aborto». As duas têm um ponto em comum: a evidência de que na sociedade portuguesa ainda existe pouco hábito de discussão, de apresentação e coexistência de ideias divergentes.
Em ambos os casos verifica-se a demonização da «heresia»: a modernidade da esquerda que José Sócrates procura; e a contestação ao dogma da Igreja católica sobre o aborto.
Uma sociedade contemporânea não pode viver refém de religiões – o resultado extremo está à vista com o que se passa em torno dos radicais islâmicos. Quando são as posições religiosas a mandar na política, o mundo anda para trás e não para a frente. Está escrito, a sangue, na História.
A sociedade portuguesa – mesmo fora do círculo político – tem pouco hábito de reflectir, interpretar, descodificar, analisar e perspectivar. Teoriza-se pouco em Portugal – pensa-se pouquiíssimo - reage-se por instinto, discute-se politiquice em vez de políticas. Governar tem sido sobretudo resolver crises e não provocar mudanças.
Existe um estigma na direita portuguesa que é uma enorme falta de autonomia de pensamento, de criação de ideias, de inovação.As mais das vezes a direita é esteticamente triste e pobre, objectivamente cultiva o mau gosto em nome do popularucho. Falta uma direita liberal, radical e livre, inovadora e criativa, não submetida a religiões ou grupos de influência, de facto uma direita moderna.
Na realidade falta modernidade na política portuguesa, à esquerda e à direita – é essa a maior lição das últimas semanas.

September 08, 2004

DA ESQUINA IMPRESSA...
UMA SEMANA CHEIA DE MAR...

O BARCO – Um método simples para conseguir bons resultados de comunicação é fazer uma provocação. Se quem fôr provocado reagir à provocação, o provocador verá o seu objectivo amplificado. Foi o que se passou com o barco do aborto: o sururu foi maior do que se o barco acostasse a fazer o seu folclore – do ponto de vista da acção que pretende implementar não faria mais do que está a fazer em alto mar, mas os ecos seriam bem menores em quantidade e duração. Assim lá teve que vir o Primeiro Ministro a terreiro tentar remediar a trapalhada em que o Governo escusadamente se envolveu.

RELIGIÃO – O fundamentalismo religioso é mau conselheiro. Nenhuma religião é verdade universal, nenhuma pode querer impôr a sua opinião. Na raiz da decisão do Governo sobre o barco do aborto prevaleceu não a Lei, mas a imposição arbitrária da opinião de uma religião sobre o assunto, no caso a Católica. A forma foi tão forçada que até uma das vozes com maior peso de opinião da Igreja Católica, D. Januário Torgal Ferreira, teve que vir a público manifestar uma abertura para discutir o assunto que os sectores mais fundamentalistas do Governo não souberam mostrar. Dá que pensar o facto de, no final, os efeitos da decisão terem levado o Primeiro Ministro e um Bispo ilustre a admitirem a necessidade de debater o que se quis impedir ser debatido – a alteração da legislação sobre o aborto. O barco ganhou mais em ficar ao largo do que em acostar a um porto – isso é que é a pura realidade. Assim tivémos uma semana cheia de políticoa a fazerem comícios no meio do mar.

FILM COMMISSION – Boa ideia a de criação de uma Film Commission (esperemos que seja uma, nacional, e não várias, regionais). Como há mais de uma dezena de anos estive ligado a uma das primeiras tentativas de criar uma estrutura semelhante, convém recordar que um factor de êxito de qualquer das Film Commissions desse mundo que tiveram êxito (Nova Zelândia, Quebec, Irlanda, etc) passa por garantir um pacote atraente e competitivo de incentivos fiscais e financeiros à filmagem e produção audiovisual em Portugal. O sol, o clima, as montanhas, as praias e o mar não chegam – nem os catálogos com bonitas fotografias, por melhores que eles sejam. Só atrairemos rodagens a sério se do ponto de vista financeiro fôr mesmo compensador vir aqui filmar. O resto é ilusão e folclore.


PS – José Sócrates recebeu o apoio de António Vitorino, reconheceu que o PS «devia ter governado melhor» e aponta como objectivo mínimo para Manuel Alegre 40% dos votos. Manuel Alegre propôs a revisão da Lei de bases da Segurança Social e diz que «há medo no PS». João Soares propõe não tributar o investimento atractivo e admite apoiar Alegre se houver segunda volta nas eleições internas.

PSD – Política é isto mesmo: marcar o terreno com um Congresso em Novembro, boa ideia a de fazer uma radiografia de Portugal, a de mudar a imagem, a de apostar nas novas tecnologias para comunicar com militantes e eleitorado, a de procurar contributos externos.

O MELHOR DA SEMANA - Pelos resultados obtidos, pela postura, pela convicção, o Presidente do Comité Olímpico português, Comandante Vicente Moura.

O PIOR DA SEMANA - O governo cubano agravou as condições de detenção do poeta dissidente Raul Rivero, restringindo as visitas e o acesso a medicamentos. Era bem vinda uma campanha de boicote ao turismo em Cuba enquanto o livre pensamento fôr perseguido naquele país.

PERGUNTA- Porque é que o IKEA de Lisboa é mais caro que o de Madrid e de outros da Europa?