October 29, 2005

O PAVILHÃO DOS DESPORTOS

Quando o Pavilhão dos Desportos de Lisboa foi construído a cidade não tinha infra-estruturas de grande dimensão para a prática desportiva. O Pavilhão, mais tarde baptizado de «Carlos Lopes», foi o local dos grandes jogos de hóquei e de muitas disputas entre colectividades e clubes populares. A utilização do Pavilhão Carlos Lopes para espectáculos começa de uma forma mais sistemática nos anos 70, antes ainda do 25 de Abril . Logo a seguir ele tornou-se no ponto obrigatório de comícios e congressos partidários e no palco do culminar de campanhas eleitorais. Isto até ter ficado impossível de utilizar, que é a situação em que agora se encontra.

Devido à forma como foi concebido e aos materiais de contrução utilizados, o Pavilhão sempre teve má acústica (péssima, de facto), e em função da época em que foi feito apresenta graves problemas estruturais. Actualmente o Pavilhão, para além de estar em ruína porque desde há décadas não lhe é feita uma conservação eficaz (na realidade há risco de utilização por causa do estado em que está o tecto), não tem o mínimo de condições de comodidade, nem condições técnicas e de segurança. As bancadas não têm cadeiras, não há ventilação nem aquecimento e muito menos ar condicionado, a instalação eléctrica é insuficiente segundo os padrões actuais, os camarins/cabinas/vestiários são obsoletos, o sistema de incêndios é de anedota, o tecto técnico é inexistente. Além disso foi construído numa época em que não se pensava que uma sala destas poderia ter utilizações diversas e a sua própria estrutura dificulta qualquer recuperação séria segundo padrões contemporâneos – a começar pelo problema das colunas que destroem a visibilidade e dificultam a operação do espaço. Em suma, como está, não serve para nada.

Por outro lado a infraestrutura de equipamentos desportivos da cidade evoluíu. Com os novos estádios construíram-se novos pavilhões bem equipados e o Pavilhão Atlântico é hoje a sala de referência equivalente ao que o Carlos Lopes foi há 30 anos. Por isso acho que faz sentido pensar numa utilização não desportiva para o local. Sentimentalismos à parte, a estrutura tem de facto pouco interesse do ponto de vista arquitectónico e mesmo uns azulejos decorativos que posssui podem ser salvaguardados num outro contexto. Pensemos pois que o local pode – e deve - ser utilizado para outra coisa.

Retomemos agora o tema de uma obra arquitectónica emblemática, que seja parte da linha de horizonte de Lisboa, e que possa ser a alternativa de imagem aos planos actuais para o Parque Mayer. Querem melhor local que o alto do Parque Eduardo VII? Bem dotado de acessos e com área e possibilidade de estacionamento, qualquer obra que ali se faça pode contribuir para dar nova dinâmica à cidade, em local de grande visibilidade e comodidade.

A questão das valências, que deve ser bem estudada, pode ter em conta a necessidade de uma estrutura que possa acolher música, conferências, reuniões; ou, em alternativa, que possa por exemplo alojar uma orquestra como a Metropolitana (que assim poderia deixar livre o local onde está, na Junqueira); ou, então, que possa ser o local de eleição para a instalação de um novo Museu, a grande sala de exposições da capital, onde alguma grande colecção possa encontrar o seu destino: já imaginaram ali um espaço como a Tate Modern? Em qualquer caso, a estrutura pode e deve prever equipamentos que permitam ser o ponto central de animação da Feira do Livro, em vez das estruturas provisórias que se vêm construindo há anos e que já consumiram, tudo incluído, cerca de dois milhões de euros, absolutamente a fundo perdido.

No fundo é uma questão de contas: como está, o Pavilhão não serve para nada. Para o remodelar, não faz sentido manter nem a estrutura, nem a finalidade desportiva face à oferta entretanto surgida e à que há-de desenvolver-se a nível de freguesias e clubes. Por isso é importante pensar no assunto agora, sem preconceitos e, sobretudo, de forma integrada: esta é uma peça da construção da cidade; temos que ver como se encaixa e relaciona com outras, para que cada uma fique com uma função diferente, complementar e útil.

BANDA SONORA - Ouvir um disco que não se conhecia a pensar em alguém é um bom exercício. O disco ideal para esta circunstância é «The Pyramid Sessions», por Rocky Marsiano, com o jazz e o hip-hop por base de trabalho deste português, que também usa o nome D-Mars. Deliciosamente provocador. CD Loop Records.


BACK TO BASICS – Não ter ideias feitas, aceitar mudar, ouvir os outros, pensar: provavelmente é o que faz mais falta a cada um de nós, em especial a todos os novos autarcas empossados ao longo desta semana.

PARA A SEMANA: O Cinema S. Jorge

October 23, 2005

O PARQUE MAYER

NO INÍCIO – Quando se começou a falar na recuperação do Parque Mayer e se falou do nome do arquitecto norte-americano Frank Gehry, convém recordar que o que estava em causa era construir uma envolvente para um Casino. Eu sempre achei que um Casino, ali, podia fazer sentido. Iria gerar um fluxo de públicos que alimentaria todo o novo Parque Mayer e que voltaria a dinamizar a Avenida da Liberdade, tornando-a simultaneamente mais divertida e segura à noite. Frank Gehry seria, através da imagem que se esperava criar, um argumento de marketing importante do local. Para a actividade que se esperava, era um investimento que fazia sentido.

A MUDANÇA – Quando no meio das confusões que se conhecem o Casino acabou por deixar de poder ser feito ali, a boa lógica e o bom senso mandavam que se voltasse a equacionar o assunto. Sem Casino a possibilidade de circulação de públicos seria infinitamente menor e o programa de ocupação de espaços anterior estava claramente desajustado. Por si só os novos equipamentos, por melhores que fossem, não teriam grande atracção e, muito provavelmente, seria um sugadouro de dinheiros manter tudo a funcionar. Sem Casino o Parque Mayer, perdoem-me a comparação, seria como um Centro Comercial sem salas de cinema e sem supermercado: perdia a âncora. Valia a pena pensar num plano B, que mantivesse o Capitólio e recuperasse o espaço, em sintonia com o Jardim Botânico.

A IMAGEM – Arquitectos como Gehry servem para criar ícones, são os cenógrafos das cidades, o pretexto para uma série de bilhetes postais. Com o Parque Mayer sem casino, para quê colocar o ícone num recanto escondido, atrás da avenida? – Esta é a pergunta a que vale a pena dar resposta, pensando nisto: se o objectivo é construir um ícone, que sirva de novo emblema a Lisboa, então porque não se coloca num local bem visível, obsessivamente visível e que altere a silhueta da cidade? Eu acho que é o que faz mais lógica e que existe um sítio ideal para isso, o local onde está o arruinado e já inútil Pavilhão dos Desportos, no Parque Eduardo VII. Esse será o tema da próxima semana.
O CENTRÃO

Quando num país se assiste à sucessão de problemas que existem e que, ao longo dos anos, continuamente se agravam tem que se pensar no que o Estado tem andado a fazer. Na saúde, na segurança, na justiça, na educação, o Estado português funciona mal. Mais: funciona abaixo daquilo que os contribuintes descontam. E é fundamental olhar para isto com realismo: a questão não tem a ver com os partidos que lideram o Governo, já que de facto a situação se tem vindo a agravar de forma mais ou menos constante.
A única coisa que parece funcionar é a obsessão em fazer obras públicas, que consomem fatias enormes do exaurido orçamento. Aí o programa dos dois maiores partidos tem diferenças de localização mas não de substância. O centrão, que engloba PS e PSD, converge na falta de gestão séria das prioridades, na falta de sensibilidade às pessoas, aos cidadãos, aos seus votantes.
Na realidade o Estado despreza a noção básica de serviço aos seus clientes, todos nós cidadãos anónimos que pagamos impostos e sustentamos a máquina. O Estado prefere servir um número restrito de representantes de interesses vários, do que parar por um momento para pensar como utilizar melhor o seu dinheiro.
Quando o orçamento não chega, nalgum lado tem que se cortar. Antes de começar a cortar nas pessoas e nos serviços que se lhes prestam, convém olhar para o que se gasta em projectos e estruturas que, se calhar, são dispensáveis numa fase como esta.
As verdadeiras reformas, as que surtirão efeito, são as que se fazem assim – a rever e cancelar projectos, a economizar num lado para se poder investir noutro. Se isto não for feito o Estado acaba por colapsar. E não me parece que no Centrão existam sinais de isto mudar. Ora isto dá que pensar: o sistema partidário, tal como o conhecemos, será capaz de ultrapassar a crise?

October 15, 2005

O FÓRUM LISBOA

OPOSIÇÃO – Na noite dos resultados eleitorais regista-se o contraste entre um Marques Mendes compostinho como sempre e um Rui Rio que foi o único a dizer o óbvio, sem rodeios, ao Primeiro Ministro: faz parte da Democracia que o Executivo não dificulte a vida aos autarcas eleitos que não são do partido do Governo e que lhes permita executar o seu programa sem entraves centralistas. Rui Rio, felizmente sempre politicamente incorrecto, revelou-se o verdadeiro líder da oposição ao fim da noite de Domingo.

MAQUIAVEL não teria feito melhor: de uma assentada João Soares, Manuel Maria Carrilho e Francisco Assis viram-se derrotados e o coordenador eleitoral autárquico do PS, Jorge Coelho, levou um puxão de orelhas no balanço final dos resultados. De uma assentada Sócrates colocou em posição de derrota as principais figuras da oposição interna no PS. Ainda vamos ver bons momentos neste episódio interno. Francisco Assis já saíu da Distrital e na candidatura de Mário Soares começou a confusão.

O FÓRUM LISBOA, antigo cinema Roma, é a sede da Assembleia Municipal. Ou seja, lá funcionam os serviços e lá decorrem os plenários. Isto quer dizer que a sala propriamente dita é ocupada pela Assembleia Municipal uma vez por semana, e apenas quando reúne, o que não acontece todo o ano. É escusado falar do potencial da sala: boa acústica (excelente, por sinal), boa lotação, boa localização, bons transportes, bom estacionamento. Acresce boas zonas de entrada no foyer a sugerir muitas possibilidades de intervenções complementares a espectáculos. Há cerca de dois anos, pela mão da EGEAC, o Fórum Roma iniciou um percurso de afirmação como uma sala alternativa no circuito da música contemporânea, estabelecendo uma lenta mas gratificante colaboração com promotores, num misto de programação própria e de sala de acolhimento de produções privadas. Criaram-se ciclos de programação, que chamaram ao local alguns dos melhores nomes da música portuguesa de diversos estilos e deu-se palco a uma série de nomes ímpares do panorama internacional – e aqui destaco apenas Lhasa para economia de palavras. Ao fim de dois anos e bastante esforço, de programação, produção e promoção, a sala tinha conquistado um lugar no roteiro musical de Lisboa, tinha criado um estilo e promovido uma marca e criado novos públicos. Tudo isto foi feito com um plano, foi concretizado com um investimento reduzido e num processo de parceria com promotores privados, sem intervencionismos nem dirigismos.

PARECIA um mundo quase perfeito até ao dia em que a Assembleia Municipal, pelo seu ainda Presidente, se insurgiu contra a gestão da EGEAC e contra a ocupação da sala por essa gente reles da música e de outras modernices e fez aprovar o seu regresso à formulação anterior. Convém agora recordar que antes disto, a sala era utilizada de forma avulsa, por quem a pedia junto dos respectivos serviços. Não havia identidade nem critério de programação, não havia a menor preocupação de utilizar racionalmente um equipamento comum. Havia uns favores a amigos, uma sucessão de jogos florais de variada ordem, de homenagens passadistas, sem lógica nem critério. E, nas mais das vezes sem utilidade nem gosto, apenas para auto-satisfação dos próprios que promoviam a iniciativa, sem criação de públicos nem de hábitos. Espera-se agora que com uma nova maioria na Assembleia Municipal a questão possa ser revista e que o futuro Vereador da Cultura dê ao assunto a atenção que ele merece.

DEFINIR a vocação de cada uma das salas e equipamentos culturais que a Câmara possui é aliás das primeiras coisas que devia ser feita pelas áreas competentes do novo executivo camarário – várias vezes ensaiada, essa definição nunca foi concretizada e por isso subsiste a maior confusão quanto à tipologia de utilização de cada um dos teatros e salas municipais. Há dois modelos em confronto: ou a Câmara garante ela própria toda a programação, ou se associa a privados que queiram utilizar o espaço dentro de situações normais de mercado, que estão absolutamente tipificadas. A Câmara já tem aliás salas demais – por isso é estranho ouvir falar em novas propostas como o Europa, que só vão replicar o funcionamento discricionário que era a marca do Fórum Roma até há dois anos atrás: entregar uma sala a uma Junta de Freguesia ou a um grupo de bondosos é torná-la um vazio caríssimo e não um núcleo agregador, um estimulador de novos públicos e um motor de mudança.

BACK TO BASICS – Antes de começar a fazer coisas novas, o melhor é olhar para o que está, definir o que se usa e o que faz falta.

PARA A SEMANA – O Parque Mayer.

BANDA SONORA – Sinfonia No. 4 de Mahler, interpretada por Renée Fleming e a Filarmónica de Berlim, dirigida por Claudio Abbado, edição Deutsche Grammophon, de 2005.

October 10, 2005

OBJECTIVO CUMPRIDO
Maria José Nogueira Pinto foi eleita. PSD e PP voltam a ter a possibilidade de formar uma maioria. E o PSD ganhou a maioria das freguesias da capital, o que quer dizer, conjugado com os outros resultados eleitorais, que a maioria da Assembleia Municipal também já não é de esquerda. Boa!
COLIGAÇÕES
As coligações de direita funcionam. Estas eleições obrigam a olhar de perto o que se passou. A vitória não foi só do PSD, foi também do PP. Vejam o que se passou, por exemplo, em Aveiro. A direita voltou a subir o número de câmaras. O retrato dos grandes centros urbanos mostra que alguma coisa está a mudar no país. É um tema que vale a pena seguir.
CONVINHA...
Que a direita usasse bem o poder, que pusesse as coisas a funcionar, que não fosse megalómana, que fosse urbana e moderna, que não fosse foleira e passadista. Será pedir demais?
DIREITA
A direita ganhou e a esquerda perdeu. O resto é conversa. Mesmo nos centros urbanos de grande dimensão, não foi a esquerda a ganhar. Isso é bom. Espero que façam bom uso do poder quer agora receberam dos eleitores.

October 09, 2005

MANUAL DO PRÍNCIPE
Manuel Maria Carrilho, João Soares e Francisco Assis perderam as eleições. Menos três para importunar Sócrates. Pelo caminho Jorge Coelho ficou em xeque, apesar de recusar a evidência da derrota. Assim se vê por onde vai o PS... Maquiavel não teria feito melhor.
ANTES DOS RESULTADOS
Os fins não justificam os meios
O ALICERCE

CONSTRUÇÃO – Sabem quem é o alicerce deste regime? Basta olhar para o sector da construção. Todos os eleitos, das mais pequenas autarquias até ao Governo, sonham em fazer obra, em construir, em mudar. Poucos pensam em melhorar o que está, em aperfeiçoar, em rentabilizar. Deitar abaixo e fazer de novo é o lema de Portugal desde há décadas e é uma das razões porque o país chegou onde chegou. Por alguma razão se misturam os interesses de grandes empresas de construção e de obras públicas com a política e os partidos. São estas empresas que de facto dominam o regime - e como se verá neste fim de semana, qualquer que seja o vencedor em cada autarquia, lá estará uma obrazinha para fazer, seja um túnel, um estádio, um aeroporto ou um parque de estacionamento.

VIZINHOS – Aqui ao lado, em Espanha, o Ministério da Economia e Finanças e o Ministério da Cultura estão em fase avançada de negociações para que qualquer empresa que invista na produção de cinema espanhol possa ter um benefício fiscal de 20 por cento, valor a que até agora só os produtores têm acesso. A actual desagravação para o sector é de cinco por cento, o que significa aumentar em 15% o benefício concedido. A Ministra da Cultura de Espanha, Carmen Calvo, mostrou-se optimista quanto à evolução das negociações e sublinhou que o objectivo é «canalizar mais investimento privado para produzir cinema em Espanha». Curioso – tão perto, e, no entanto, tão longe – não é?

TELEMÓVEIS – O operador de telemóveis britânico Orange lançou esta semana um canal exclusivo para telemóveis, inteiramente consagrado à transmissão directa de jogos de cricket de uma das mais célebres competições mundiais da modalidade, a ICC Super Series. Neste momento a Orange disponibiliza já 16 canais diferentes, um deles desenvolvido para a Orange pela Endemol e que apresenta apenas reality shows.

COMER – Hoje, um petisco, no bairro lisboeta que oferece maior escolha de cafés. Pois então dirijam-se a Campo de Ourique, à histórica Rua de Infantaria 16, procurem o nº62-B e encontrarão «O Meu Café». Está aberto até às 11 da noite: O petisco que vos proponho é a especialidade da casa: as merendas mistas são feitas em fornadas contínuas ao longo do dia e resolvem bem qualquer ataque de apetite. Tem esplanada, simpática.

VER – Durante alguns dias o Fórum Lisboa (antigo Cinema Roma) é o palco de acolhimento da sexta edição da Festa do Cinema Francês. Consultem o site www.festadocinemafrances.com para saberem todos os detalhes da programação e fiquem avisados que este fim de semana há boas razões para maratonas cinematográficas. Termina dia 16 de Outubro.

DESCOBRIR – Deste sábado até dia 11, o espectáculo Metamorphis, no CCB, integrado no Festival Temps d’Images. Concepção de Alberto Lopes.

OUVIR – Uma das melhores vozes femininas dos últimos anos é de Fiona Apple. Pianista e cantora, ela assume integralmente a autoria das suas canções no novo «Extraordinary Machine» e fez o mais maduro e marcante dos seus três
discos editados até à data. O álbum é empolgante e canções como «Red Red Red» e «Window» vão seguramente tornar-se referências na sua obra. Fiona não editava desde o álbum «Magnolia» , de 1999 e este «Extraordinary Machine» é mesmo surpreendente.

LER – Está escrito como uma história deliciosa e aventureira, e é-o de facto: «Barings, A História do Banco Britânico Que Salvou Portugal» é uma viagem pelos meandros de uma instituição financeira que durante um século acudiu aos governos portugueses cada vez que a ruína espreitava. Da autoria de dois jornalistas (Fernando Sobral deste «Jornal de Negócios» e Paula Alexandre Cordeiro do «Diário Económico»), o livro lê-se com o entusiasmo e vontade que se dedicam às boas histórias bem contadas.

PERGUNTA – Só ao fim de dez anos de mandato é que Jorge Sampaio se lembrou de que há corrupção e fugas aos impostos, que o país está um caos e que os políticos são um grupo com má reputação? Ou será que ele acha que durante os seus dois mandatos as coisas pioraram a olhos vistos e não se quis ir embora sem antes o reconhecer?

DESABAFO – O voto útil é o que de pior se podia ter inventado para a democracia.

BACK TO BASICS – Um político é julgado pela animosidade que suscita nos seus opositores, Sir Winston Churchill.

October 07, 2005

A UTILIDADE DO VOTO
(hoje, em «O Independente»)

Como em qualquer outra eleição, estes últimos dias são passados em torno do apelo ao voto útil. Estes apelos vêm sobretudo dos grandes partidos, nomeadamente dos pilares do bloco central, responsáveis de facto pelo estado do país. Acontece que o apelo ao voto útil é o pior serviço que se pode prestar à liberdade de opinião e de expressão e ao funcionamento da democracia.
A ideia bondosa das eleições, embora já estejamos longe dela, é certo, é propôr e debater programas diferentes, oferecer várias propostas e, de entre elas, escolher uma que conjunturalmente nos agrade mais. Num mundo ideal os partidos não deviam promover a fidelidade clubista mas sim o debate de ideias. O apelo ao voto útil visa o contrário disto: deixem de expressar as vossas convicções e adaptem-se ao mal menor, mas a um que efectivamente possa ter poder.
Não gosto do mundo a preto e branco, não gosto das coisas automaticamente divididas entre o bem e o mal – acho que vale a pena ter o máximo de opinião e de correntes representadas a todos os níveis de poder. E acho que os pequenos partidos são essenciais para que de facto exista democracia, para que novos temas sejam introduzidos na agenda política. Em geral tenho tendência a evitar a teoria do mal menor.
Durante muito tempo estive hesitante sobre o meu sentido de voto em Lisboa. Devia manter alguma fidelidade, mesmo que não me revisse no programa? Ou devia procurar contribuir para ter mais vozes na autarquia? As eleições fizeram-se para permitir que mais vozes se ouçam, e gosto do que tenho ouvido de Maria José Nogueira Pinto. Sobretudo agrada-me a ideia de melhorar o que existe, em vez de passar a vida a fazer tudo de novo. É nela que vou votar. E estou certo que é o voto mais útil que podia ter.
VOTO ÚTIL
O voto mais útil é aquele em que mais acreditamos, não é o que dá mais jeito a arranjinhos de poder. Gostava de ter na Câmara Municipal de Lisboa alguém que tenha uma visão regenerativa da cidade. Domingo vou votar Maria José Nogueira Pinto.

October 03, 2005

TODO O MUNDO É UM PALCO

DIGITAL – Uma das razões porque às vezes as coisas funcionam bem reside na velha planificação. A mudança de televisão analógica para digital, que em toda a União Europeia deve ocorrer até 2012, vai necessitar – para além de equipamentos de transmissão e recepção diferentes – de toda uma infra-estrutura de distribuição de sinal adequada às novas especificidades técnicas. Pois na Grã-Bretanha foi apresentado um Guia de Boas Práticas para o sector da construção, imobiliário e renovação urbana, com todos os detalhes sobre o que deve ser feito e o que deve ser evitado. Na introdução o Ministro do Broadcasting, James Purnell, sublinha que «é preciso começar a preparar agora o que terá de se iniciar daqui a três anos» (já que o início do switchover digital na Grã Bretanha está previsto para 2008). A publicação, do Chartered Institute of Housing dirige-se quer a senhorios quer a inquilinos e tem uma única preocupação: ajudar o consumidor. Curioso, não é?.

NÚMEROS – Na Grã Bretanha a organização não desportiva que tem maior número de filiados não é nenhum partido político – é a Royal Society For The Protection Of The Birds com 1.049.392 inscritos. Os pássaros revelam-se assim muito mais gratificantes que a política: os Conservadores apresentam 300.000 inscritos, os Trabalhistas 200.000 e os Liberais 70.000.

REFEIÇÃO – Apenas o jantar, aviso já. Os mais velhos poderão lembrar-se do Angelus a caminho de Sesimbra, onde há uns anos se fazia o fondue de referência; anos mais tarde a mesma equipa estava na Porta Branca (Bairro Alto), onde entre as várias iguarias se propunha tubarão. Pois quer o fondue, quer o tubarão, quer algumas outras iguarias estão de volta, desta vez a Brejos de Azeitão, no «Anxel». É escusado dizer que a carne do fondue é especialíssima, muito tenra, com um corte invulgar, bem temperada. A sala é simpática, a garrafeira razoável e moderada em preços. As reservas podem ser feitas para o 917040963. A mesma equipa tem em Lisboa o restaurante «Mãe de Água», na Rua das Amoreiras 10, telefone 21 388 28 20.

VER – Na Plataforma Revólver, Rua da Boavista 84-3º (em Lisboa, a Santos) a exposição «Travel», uma colectiva de oito novos artistas provenientes dos países africanos de expressão portuguesa que apresentam trabalhos propondo novas formas de abordagem à tradição plástica africana não só nas áreas mais tradicionais (como a escultura, tapeçaria e pintura), mas também em novos suportes artísticos como o vídeo. A descobrir, num fim de tarde.

OUVIR – Charlie Haden continua militante e delicioso. O seu disco mais recente, gravado na Europa, vai buscar o título a uma organização cívica norte-americana criada para combater a participação norte-americana na Guerra do Iraque, chamada «Not In Our Name». A organização aliás também teve um papel importante na campanha contra a reeleição de Bush, mas como se sabe falhou. Neste disco o baixista Charlie Haden aparece com uma nova formação que vai buscar o nome de um dos seus grupos de referência, a «Liberation Music Orchestra», que em 1968 fez disco contra a guerra no Vietname. Tal como no disco inicial, aqui também Carla Bley está ao lado de Haden ao piano e assegura os arranjos – muito bons e surpreendentes. A Libaration Band tem uma predominância de metais, que proporcionam uma sonoridade bem característica, muito marcada pelos trompetes de Michael Rodriguez e Séneca Black. O álbum foi gravado em Roma no final da digressão europeia da banda em 2004 e inclui versões de temas como «This Is Not America» de Pat Metheny e David Bowie, «America The Beautifulk», um clássico de Samuel Ward, «Skies Of America» de Ornette Coleman, o tradicional «Amazing Grace» ou uma versão muito própria baseada na sinfonia do Novo Mundo de Dvorak, «Going Home». Sobretudo pela qualidade dos arranjos e da interpretação criativa de velhos temas, este é um disco a descobrir. CD editado por Verve/Gitanes, distribuído por Universal Music.

DESABAFO – O que me faz mais impressão em Manuel Alegre é a solidão em que o deixaram, mesmo os que lhe eram mais próximos. Não é normal, nem decente.

BACK TO BASICS – Dedicado às campanhas autárquicas e aos políticos que temos: O Mundo inteiro nada mais é que um palco – William Shakespeare.