ESTADOS DE ALMA (1)
As férias são sempre um bom momento para colocar ordem nas ideias e fazer o balanço do que anda à nossa volta. Gosto muito pouco do que vejo. Como tantos outros cidadãos sinto desencanto pela maneira como, ano após ano, o país não muda nem evolui. Na realidade Portugal não está melhor e não é de agora. A persistência na política do betão, a prevalência dos interesses das grandes construtoras – em parte devido à opacidade do sistema de financiamento partidário – e a falta de uma estratégia de desenvolvimento credível e sustentada são paradigmas dos nossos últimos 20 anos. A abundância de dinheiros comunitários criou, durante algum tempo, a ideia de que tudo ía bem. Mas o choque com a realidade começou a aparecer a par do alargamento da União e do cumprimento das regras financeiras da Comunidade Europeia.
Faço parte de uma geração que acreditou que podia contribuir para mudar o país. Em 1976 tive o primeiro choque e o primeiro grande desencanto. Durante anos não quis saber da política e dediquei-me a trabalhar em coisas de que gostava: a fotografia (por onde comecei nos jornais), o jornalismo, a música. Por sorte consegui durante muito tempo que tudo se completasse e funcionasse em conjunto. Na agência noticiosa aprendi a ser parco nas palavras, a evitar adjectivos e a prezar o rigor acima de tudo. Nos jornais aprendi o conceito da edição, nas revistas aproveitei o que sabia de fotografia para as soluções gráficas. Mais tarde fiz parte de equipas que criaram do zero jornais e revistas, alguns – orgulho-me disso – fizeram história na imprensa portuguesa.
Há quinze anos atrás acreditei (voltei a acreditar) que podia haver outra forma de fazer política, que a intervenção de cada um de nós, nas coisas que melhor sabe fazer, podia ser importante para melhorar a sociedade. Dediquei-me a projectos – muitos deles públicos. Aprendi muito nestes anos. Vi a política mais por dentro, percebi a natureza de palavras e acções. Tornei-me progressivamente mais desconfiado. Sei hoje que a mentira – mesmo quando se jura a verdade – é uma constante da política e de políticos. Habituei-me a analisar os dirigentes partidários e os responsáveis de Governos e, salvo raríssimas excepções, constatei que só pensavam neles, nos seus interesses particulares e no poder – ou poderes – que tinham. São seres isolados e egoístas, frios e calculistas. Frequentemente são falsos. Raramente são idealistas apaixonados e desinteressados – hoje em dia já nem se preocupam em usar essas vestes.
Hoje é claro que os partidos não existem para lutar pelo bem comum, mas sim pelo poder de satisfazer as clientelas que asseguram a sua manutenção. Tirando questões conjunturais não vejo diferenças substantivas entre Jorge Coelho e Marques Mendes – por alguma razão o país anda há anos a oscilar entre PS e PSD e não passa da cepa torta. Os partidos portugueses têm um instinto de sobrevivência que se sobrepõe sempre aos princípios que invocam como cartilha.
Provavelmente a minha geração perdeu o desafio de fazer um país novo. Cabe à geração seguinte fazê-lo e não há muito tempo a perder. As notícias mais recentes são preocupantes. Os partidos e os governos não toleram vozes independentes. O que aconteceu nesta semana – e que foi o quadro condensado e acelerado dos seis meses anteriores – mostra como as máquinas partidárias e os grupos de pressão se sobrepõem à razão e à ética.
Sei que este é um texto pessimista: não acredito na capacidade de reforma do sistema político nem dos partidos e constato que os novos políticos que volta e meia entram em cena, na maior parte dos casos, trazem ainda mais vícios que os anteriores. Os que escapam a esta regra duram pouco tempo – deles se diz que não têm sensibilidade política.
A sensibilidade política, caríssimos leitores, é o que de pior existe, é a desculpa para malfeitorias várias e para o estado catastrófico em que nos encontramos. Cada vez mais acredito que sensibilidade política é exactamente aquilo de que não precisamos.
As férias são sempre um bom momento para colocar ordem nas ideias e fazer o balanço do que anda à nossa volta. Gosto muito pouco do que vejo. Como tantos outros cidadãos sinto desencanto pela maneira como, ano após ano, o país não muda nem evolui. Na realidade Portugal não está melhor e não é de agora. A persistência na política do betão, a prevalência dos interesses das grandes construtoras – em parte devido à opacidade do sistema de financiamento partidário – e a falta de uma estratégia de desenvolvimento credível e sustentada são paradigmas dos nossos últimos 20 anos. A abundância de dinheiros comunitários criou, durante algum tempo, a ideia de que tudo ía bem. Mas o choque com a realidade começou a aparecer a par do alargamento da União e do cumprimento das regras financeiras da Comunidade Europeia.
Faço parte de uma geração que acreditou que podia contribuir para mudar o país. Em 1976 tive o primeiro choque e o primeiro grande desencanto. Durante anos não quis saber da política e dediquei-me a trabalhar em coisas de que gostava: a fotografia (por onde comecei nos jornais), o jornalismo, a música. Por sorte consegui durante muito tempo que tudo se completasse e funcionasse em conjunto. Na agência noticiosa aprendi a ser parco nas palavras, a evitar adjectivos e a prezar o rigor acima de tudo. Nos jornais aprendi o conceito da edição, nas revistas aproveitei o que sabia de fotografia para as soluções gráficas. Mais tarde fiz parte de equipas que criaram do zero jornais e revistas, alguns – orgulho-me disso – fizeram história na imprensa portuguesa.
Há quinze anos atrás acreditei (voltei a acreditar) que podia haver outra forma de fazer política, que a intervenção de cada um de nós, nas coisas que melhor sabe fazer, podia ser importante para melhorar a sociedade. Dediquei-me a projectos – muitos deles públicos. Aprendi muito nestes anos. Vi a política mais por dentro, percebi a natureza de palavras e acções. Tornei-me progressivamente mais desconfiado. Sei hoje que a mentira – mesmo quando se jura a verdade – é uma constante da política e de políticos. Habituei-me a analisar os dirigentes partidários e os responsáveis de Governos e, salvo raríssimas excepções, constatei que só pensavam neles, nos seus interesses particulares e no poder – ou poderes – que tinham. São seres isolados e egoístas, frios e calculistas. Frequentemente são falsos. Raramente são idealistas apaixonados e desinteressados – hoje em dia já nem se preocupam em usar essas vestes.
Hoje é claro que os partidos não existem para lutar pelo bem comum, mas sim pelo poder de satisfazer as clientelas que asseguram a sua manutenção. Tirando questões conjunturais não vejo diferenças substantivas entre Jorge Coelho e Marques Mendes – por alguma razão o país anda há anos a oscilar entre PS e PSD e não passa da cepa torta. Os partidos portugueses têm um instinto de sobrevivência que se sobrepõe sempre aos princípios que invocam como cartilha.
Provavelmente a minha geração perdeu o desafio de fazer um país novo. Cabe à geração seguinte fazê-lo e não há muito tempo a perder. As notícias mais recentes são preocupantes. Os partidos e os governos não toleram vozes independentes. O que aconteceu nesta semana – e que foi o quadro condensado e acelerado dos seis meses anteriores – mostra como as máquinas partidárias e os grupos de pressão se sobrepõem à razão e à ética.
Sei que este é um texto pessimista: não acredito na capacidade de reforma do sistema político nem dos partidos e constato que os novos políticos que volta e meia entram em cena, na maior parte dos casos, trazem ainda mais vícios que os anteriores. Os que escapam a esta regra duram pouco tempo – deles se diz que não têm sensibilidade política.
A sensibilidade política, caríssimos leitores, é o que de pior existe, é a desculpa para malfeitorias várias e para o estado catastrófico em que nos encontramos. Cada vez mais acredito que sensibilidade política é exactamente aquilo de que não precisamos.
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