June 30, 2004

OS BEM PENSANTES
Os bem pensantes acham que têm toda a razão. Estão habituados a não serem contestados. São uma espécie de «donos do universo» de que Tom Wolfe falava, só que o são no campo da política e não dos negócios. Fenómenos como a capacidade de comunicação, sensibilidade pelas aspirações populares, identificação com os gostos dos diversos públicos afligem-nos. Estão habituados a funcionar em círculo fechado, nas elites. Dão-se bem no esquema «faz-me cócegas que eu faço-te rir». Odeiam o êxito. Odeiam a popularidade. Odeiam a massificação. Odeiam isto tudo, mas no fundo gostavam de ter muitos que os seguissem. Apenas odeiam o êxito dos outros que não são como eles.
Nos últimos dias assistimos a uma verdadeira parada de vaidades. Todos aparecem a marcar posição, de banqueiros a escritores - coisa para o velho Pessoa se largar a rir às gargalhadas.
Imaginem agora que, em vez de ser Santana Lopes o nome que é o alvo, era o de Marcelo Rebelo de Sousa. Que diriam todos se o Eng. Belmiro repetisse, sobre o Professor, aquilo que uma vez já disse?

June 29, 2004

LEITURAS
É engraçado seguir os media: os que apenas relatam (e que são os melhores), os que são meros intermediários de pressões e lobbies (vários, cada vez mais) e finalmente os que são orgãos centrais de um qualquer interesse - são os piores de todos porque se apresentam como se fossem independentes.
«A Capital» encaixa neste último rol - nos últimos dias é o orgão central da campanha contra Pedro Santana Lopes. Mais valia que tivesse esta frase escrita debaixo do cabeçalho. Pelo menos era mais honesto.

June 28, 2004

O VERDADEIRO CONTEXTO DE GUTERRES
Nos últimos dias houve quem recordasse que Guterres saíu do Governo depois de uma derrota eleitoral, que o motivou a pedir a dissolução da Assembleia da República.
Recordações da época:
1- O Governo não dispunha de uma maioria parlamentar clara, estava de facto em situação de empate técnico;
2- Guterres tinha na memória o episódio do voto «do queijo limiano»;
3- As eleições em que foi derrotado foram sobre política interna e nelas o PS perdeu as maiores autarquias que controlava, nomeadamente Lisboa, Porto, Sintra, Cascais e Coimbra.
Foi assim ou não?
ESPECULAÇÕES
Os últimos dias mostram todos os problemas que surgem quando há especulação a mais e bom jornalismo a menos. Desde nomes que são postos a circular à quase total ausência de fontes identificadas em matérias sensíveis do ponto de vista político, até opinião pura e simples encapotada de citações de origem anónima, temos assistido de tudo um pouco.
Alguns jornais americanos estão a considerar deixar de publicar notícias que citem fontes não identificadas.
No noticiário político, pelo menos, muito se ganhava em transparência, honestidade e rigôr se esse princípio fosse desde já seguido.

June 27, 2004

MEMÓRIA
Alguns jornais dizem hoje que o Presidente da República tenciona ouvir algumas personalidades sobre a actual situação política, entre elas o Professor Cavaco Silva. Calha recordar as palavras elogiosas a Santana Lopes que Cavaco proferiu num depoimento gravado para a Campanha Eleitoral nas últimas autárquicas de Lisboa.
O OUTRO CAMPEONATO
Inesperadamente, sexta-feira começou outro campeonato. Ainda no rescaldo da vitória de Quinta-Feira, o esférico deslocou-se para S.Bento. O jogo passou a desenrolar-se entre Bruxelas e Lisboa, com Belém a arbitrar e a Irlanda a treinar. Se Durão Barroso fôr para Presidente da Comissão Europeia é mais uma vitória de Portugal.

E depois do adeus? Depois do adeus de Durão, pode ser Santana Lopes o Primeiro Ministro. Espero que sim. Já muita gente disse que com ele isto podia ganhar outra energia – uma espécie de Ricardo, umas vezes a defender, outras a marcar golos.

Já agora, como as memórias são curtas, convém aqui recordar uma coisa a propósito do Euro 2004. Quando Santana Lopes entrou para a Câmara Municipal de Lisboa os novos estádios de Lisboa estavam num processo complicado e muita gente dizia que o da Luz não ficaria pronto. Os estádios aí estão e é justo recordar o papel de Santana Lopes no assunto.

Espero que na próxima quarta-feira possamos celebrar várias vitórias para Portugal. Agora há que ter calma, cabeça fria e fazer muito jogo.

(este texto foi publicado na edição de hoje do jornal «Record», no âmbito das colunas sobre o Euro 2004)

June 26, 2004

O NOVO CICLO
Aconteça o que acontecer, vai começar um novo ciclo. É bom que o sistema encontre formas de se renovar, de alterar políticas e até protagonistas. Aquilo a que estamos a começar a assistir pode ser importante para ver como o sistema político pode evoluir, como o processo de tomada de decisões e de mudança pode sair fora de padrões standards.
Se Durão Barroso fôr para Bruxelas e Pedro Santana Lopes fôr indicado para Primeiro Ministro, Portugal fica a ganhar duplamente: ganha maior prestígio internacional e possibilita-se um refrescamento significativo de toda a política interna.
O que é mais engraçado é como muitos dos que diziam ser necessária uma remodelação temem agora que, em vez de umas poucas mudanças, surja agora uma remodelação profunda.
E é muito engraçado ver como há tanta gente que, enchendo a boca de Constituição no dia-a-dia, tem tendência em alturas de crise de não se lembrar como o regime funciona. O sol quando nasce é para todos.
DELÍRIO
Uma espreitadela ao blog de Pacheco Pereira mostra como a raiva pessoal provoca cegueira e facilita estádios de delírio. Embora se perceba que as prolongadas ausências do país dificultam a abordagem de temas nacionais, não se entende como Pacheco Pereira defende a paralisação do país (nomeação de eventual novo primeiro-ministro apenas após congresso do PSD, quer dizer pelo menos daqui a várias semanas), como insinua que uma manifestação que anda a ser convocada por sms por quem tem extensas listas telefónicas de pessoas próximas da esquerda possa vir de outro sítio.
Este truque da insinuação é coisa antiga na política - mas de tanto escrever e investigar a vida de Cunhal e do PC, Pacheco deve ter absorvido alguns dos seus hábitos.
SÓ PARA AVIVAR MEMÓRIAS
Começou o habitual rosário de dislates a propósito de Lisboa.
Convém recordar algumas coisas para quem diz que nada se fez ou para quem só gosta de falar do que ainda não está acabado.
Então vamos a isso:
- Encerramento do Bairro Alto e Alfama ao trânsito. Há quantos anos se falava disso? Quem fez?
- Recuperação dos prédios degradados em zonas históricas da cidade. Quem tratou do que já está à vista, a começar em S. Bento e a acabar em Alfama?
- Devolução de Monsanto à cidade, criação de novos espaços, animação cultural, novos equipamentos. Quem fez?
- Lançamento de projectos estruturantes em relação ao trânsito da cidade, como o túnel cujas obras foram forçadas a parar num processo mais nebuloso.
- Política social de apoio à terceira idade, aos mais novos, criação de espaços desportivos em bairros sociais?
- Sistema de transportes dentro de bairros para os munícipes. Quem fez?
-Lançamento e abertura de novos parques de estacionamento como o da Praça de Londres. Quem fez?
- Criação da Loja do Munícipe e de serviços como o Alerta para resolver os problemas das ruas de Lisboa. Quem fez?
O rol podia ser maior, podia incluir os projectos do novo edifício dos arquivos, a forma como os serviços da câmara funcionam melhor, a maneira como os jardins estão mais limpos, a maior rapidez na obtenção de licenças para obras. Quem fez tudo isto?
Dizer que nada está feito é a coisa mais fácil do mundo. Para os que tanto falam em populismo, vale a pena dizer que falsificar a verdade é a maior forma de populismo e dedegradação do sistema.
O DESAFIO DE UMA GERAÇÃO (da edição de ontem do «Jornal de Negócios»)

QUANDO A DIREITA deixa criar angústias várias sobre as expectativas das pessoas em relação ao seu bem-estar , está a entregar a bandeira do social à esquerda. Basta olharmos para a nossa História recente para vermos como esse é dos mais importantes argumentos políticos. Conjugar um modelo de desenvolvimento, com um panorama de estabilidade política e conseguir fazer tudo isto conseguindo efectivamente melhorar a vida do dia-adia das pessoas é o maior desafio político que se coloca à sociedade e aos partidos.

O QUOTIDIANO é o factor inconsciente na hora do voto. As pessoas que trabalham por conta de outrem, a maioria do eleitorado, sabe que não protagoniza evasão fiscal : paga impostos, directos e indirectos, que regra geral considera elevados e muitas vezes não vê retorno para o investimento que por essa via faz no Estado. Queixa-se das dificuldades de emprego, dos cuidados de saúde, do estado da justiça, da instabilidade da educação. A verdade é que o modelo de Estado em que cresceram lhes está a flahar e isto é um dos maiores problemas que enfrentamos. Em Portugal qualquer política e qualquer reforma começa por trazer complicações às classes médias, na verdade traz dificuldades mais depressa que benefícios e esse é um dos grandes factores de instabilidade política e social. Reflectir sobre isto é fundamental.

NÃO HÁ GRANDES DIFERENÇAS entre o PSD e o PS a não ser de estilo. De facto, na esmagadora maioria dos assuntos do dia-a-dia, nacional ou internacional, há nuances mas não há divergências gritantes. Muitas vezes é na forma de concretizar conceitos que surgem divergências. E há, é claro, estilos diferentes, a começar pela gestão das finanças públicas.

O ROTATIVISMO de finais do século XIX está outra vez em grande força entre nós no início do século XXI. Em comum existe uma decadência do funcionamento da sociedade, uma crise evidente do modelo de Estado, coisas que por si só contribuerm para a instabilidade de objectivos e de projectos, para a variação de políticas, a paralisação das sociedades, a frustração dos cidadãos.

REFORMULAR O PAPEL DO ESTADO é a ideia chave defendida numa curiosa entrevista ao «El País», entre nós publicada pela «Visão», dada pelo filósofo francês Pierre Rosanvallon. As suas observações sobre as mudanças ocorridas no sistema político e partidário (por exemplo: «falou-se muito do final do comunismo, mas não reflectimos o suficiente sobre o final do modelo social-democrata») são certeiras.

A DECADÊNCIA das sociedades decorre da impotência na resolução dos principais problemas que a atravessam, diz o filósofo e, sublinha, cito: «como não sabemos lidar com o reformismo, esperamos a chegada do Apocalipse para podermos fazer as mudanças...Não temos uma cultura de Reforma, temos é uma cultura de Revolução que continua muito presente...Daí que seja necessário representar a decadência para se poder fazer uma simulação da revolução que, na realidade, não é mais que reformas minúsculas».

AS CAUSAS COMUNS são um catalisador da participação social, são (elas sim) um efectivo dinamizador da auto-estima, da mobilização dos cidadãos, do funcionamento da sociedade. Todos temos que pensar mais no que podemos fazer para melhorar as coisas. O sentido do voto, seja ele qual fôr, é sempre esse. O regime democrático pressupõe historicamente a expectativa de uma evolução nos padrões de vida. Ninguém gosta de governar para criar dificuldades à vida dos governados. E, no entanto, isso às vezes acontece.

A CRISE DO ESTADO PROVIDÊNCIA é a origem de muitas mini crises do nosso dia-a-dia e é o pano de fundo que está sempre presente em qualquer análise da realidade. As pessoas querem saber coisas concretas sobre o seu bem-estar presente e futuro e acham tudo o resto temas secundários. Por isso mesmo a nossa maior urgência é conseguir estudar a fundo as transformações que ocorreram, todas as mudanças que ainda estamos a viver, para conseguirmos criar um novo modelo de sociedade que funcione. Que seja efectivo e solidário. No fundo é este o desafio de uma geração.