UM FADO ESPANHOL?
Não tenho nada, mas mesmo nada, contra a intensificação das relações com Espanha e até acho que todos teríamos a ganhar se elas fossem alargadas. Mas entendo que esse alargamento, desejável, deve ser alicerçado na defesa das respectivas identidades culturais e não num pot-pourri ibérico. Em Espanha, aliás, cada uma das regiões soube bem impôr a savaguarda das suas culturas. O caminho para uma união livre passa por estabelecer princípios claros.
Vem isto a propósito de o novo vereador da Cultura de Lisboa ter feito uma inesperada apologia de um velho projecto de encomendar ao realizador espanhol Carlos Saura um filme sobre o Fado. A história é antiga: Carlos do Carmo teria ficado seduzido pela forma como Saura conseguiu filmar o flamenco e achou, enquanto membro da Comissão para a classificação do fado Como Património Artístico da Humanidade, que devia ser ele a fazer o filme promocional da candidatura. Eu sempre achei que isto era uma daquelas ideias pacóvias, falsamente cosmopolitas, e que falhava no básico: Saura filmou bem o flamenco porque o sente; pela mesmíssima razão devia procurar-se um realizador português que sentisse o Fado – sem ser nostálgico, capaz de uma visão universal, capaz de dar alma ao filme. As escolhas possíveis são muitas e tenho na cabeça meia dúzia de nomes que garantidamente fariam muito bom serviço. O facto de a Câmara Municipal de Lisboa se propôr ser co-produtora de um filme (na realidade pouco mais que um curto documentário...) sobre o fado, realizado por Carlos Saura não augura nada de bom. E é um insulto aos realizadores portugueses.
Na mesma entrevista onde se revela apologista de Saura, o mesmo vereador diz muito contente que vai comprar a célebre colecção de discos de fado de um editor britânico especialista em fazer edições de registos que já caíram em domínio público, o senhor Bruce Bastin. Estive ligado em tempos a este processo e fiquei com três certezas: a colecção não é nem de perto tão boa como os seus vendedores apregoam; o preço que pediam era exageradíssimo e fora dos valores do mercado internacional para estas operações (o que se está a comprar é apenas um suporte físico, parte dele degradado, e todo ele arcaico e analógico que nada garante não esteja já duplicado digitalmente algures); e existiam contornos estranhos no negócio, que levavam a que o dinheiro dos contribuintes eventualmente usado na compra do espólio viesse a servir para financiar actividades privadas, pior ainda fora do controlo de entidades oficiais. Aguardemos para ver o que acontece: se tudo é claro, transparente, e na defesa do interesse público.
Finalmente não resisto a comentar uma outra intenção da mesma entrevista, à «Actual», do Expresso. Ficámos a saber que o Vereador da Cultura, José Manuel Amaral Lopes, aposta numa rêde de salas de cinema digitais e até na produção de cinema. Estou mesmo a ver mais um saco de subsídios a nascer, mais um desbaratar improdutivo de dinheiros públicos. Não é com mais subsídios que se resolvem os problemas, é procurando novos investimentos. Se em vez destas medidas avançasse com uma Film Commission para Lisboa, à semelhança do que existe em Madrid ou Paris? Por outro lado, antes de começar a fazer coisas novas – e de prioridade duvidosa – mais valia garantir que as que existem possam funcionar: esse é o maior problema que existe na área de Cultura da autarquia lisboeta.
E agora uma coisa boa: uma grande companhia para as noites deste Dezembro é o DVD «The Ultimate Collection» da grande Billie Holiday. Nesta época em que abundam vozes delico-doces e desinteressantes no chamado soft-vocal jazz, vale a pena ir direito à origem das coisas e ouvir a grande senhora dos Blues, Billie Holiday, desaparecida há 45 anos. Estas gravações, extraídas de programas de televisão e de filmes de finais dos anos 50, incluem grandes interpretações de temas como «Saddest Tale» (no filme homónimo com Duke Ellington), «I Cover The Waterfront», «Fine And Mellow» (com Lester Young) e «My Man». O DVD inclui ainda gravações feitas para programas de rádio, assim como algumas raras entrevistas radiofónicas da grande senhora dos Blues. Um DVD Verve, distribuído pela Universal.
Back To Basics – É melhor copiar o que é bom, do que inventar mal.
Não tenho nada, mas mesmo nada, contra a intensificação das relações com Espanha e até acho que todos teríamos a ganhar se elas fossem alargadas. Mas entendo que esse alargamento, desejável, deve ser alicerçado na defesa das respectivas identidades culturais e não num pot-pourri ibérico. Em Espanha, aliás, cada uma das regiões soube bem impôr a savaguarda das suas culturas. O caminho para uma união livre passa por estabelecer princípios claros.
Vem isto a propósito de o novo vereador da Cultura de Lisboa ter feito uma inesperada apologia de um velho projecto de encomendar ao realizador espanhol Carlos Saura um filme sobre o Fado. A história é antiga: Carlos do Carmo teria ficado seduzido pela forma como Saura conseguiu filmar o flamenco e achou, enquanto membro da Comissão para a classificação do fado Como Património Artístico da Humanidade, que devia ser ele a fazer o filme promocional da candidatura. Eu sempre achei que isto era uma daquelas ideias pacóvias, falsamente cosmopolitas, e que falhava no básico: Saura filmou bem o flamenco porque o sente; pela mesmíssima razão devia procurar-se um realizador português que sentisse o Fado – sem ser nostálgico, capaz de uma visão universal, capaz de dar alma ao filme. As escolhas possíveis são muitas e tenho na cabeça meia dúzia de nomes que garantidamente fariam muito bom serviço. O facto de a Câmara Municipal de Lisboa se propôr ser co-produtora de um filme (na realidade pouco mais que um curto documentário...) sobre o fado, realizado por Carlos Saura não augura nada de bom. E é um insulto aos realizadores portugueses.
Na mesma entrevista onde se revela apologista de Saura, o mesmo vereador diz muito contente que vai comprar a célebre colecção de discos de fado de um editor britânico especialista em fazer edições de registos que já caíram em domínio público, o senhor Bruce Bastin. Estive ligado em tempos a este processo e fiquei com três certezas: a colecção não é nem de perto tão boa como os seus vendedores apregoam; o preço que pediam era exageradíssimo e fora dos valores do mercado internacional para estas operações (o que se está a comprar é apenas um suporte físico, parte dele degradado, e todo ele arcaico e analógico que nada garante não esteja já duplicado digitalmente algures); e existiam contornos estranhos no negócio, que levavam a que o dinheiro dos contribuintes eventualmente usado na compra do espólio viesse a servir para financiar actividades privadas, pior ainda fora do controlo de entidades oficiais. Aguardemos para ver o que acontece: se tudo é claro, transparente, e na defesa do interesse público.
Finalmente não resisto a comentar uma outra intenção da mesma entrevista, à «Actual», do Expresso. Ficámos a saber que o Vereador da Cultura, José Manuel Amaral Lopes, aposta numa rêde de salas de cinema digitais e até na produção de cinema. Estou mesmo a ver mais um saco de subsídios a nascer, mais um desbaratar improdutivo de dinheiros públicos. Não é com mais subsídios que se resolvem os problemas, é procurando novos investimentos. Se em vez destas medidas avançasse com uma Film Commission para Lisboa, à semelhança do que existe em Madrid ou Paris? Por outro lado, antes de começar a fazer coisas novas – e de prioridade duvidosa – mais valia garantir que as que existem possam funcionar: esse é o maior problema que existe na área de Cultura da autarquia lisboeta.
E agora uma coisa boa: uma grande companhia para as noites deste Dezembro é o DVD «The Ultimate Collection» da grande Billie Holiday. Nesta época em que abundam vozes delico-doces e desinteressantes no chamado soft-vocal jazz, vale a pena ir direito à origem das coisas e ouvir a grande senhora dos Blues, Billie Holiday, desaparecida há 45 anos. Estas gravações, extraídas de programas de televisão e de filmes de finais dos anos 50, incluem grandes interpretações de temas como «Saddest Tale» (no filme homónimo com Duke Ellington), «I Cover The Waterfront», «Fine And Mellow» (com Lester Young) e «My Man». O DVD inclui ainda gravações feitas para programas de rádio, assim como algumas raras entrevistas radiofónicas da grande senhora dos Blues. Um DVD Verve, distribuído pela Universal.
Back To Basics – É melhor copiar o que é bom, do que inventar mal.
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