MAO MAO
marcas da revolução
Andy Warhol estava bem longe de poder ser considerado um maoísta – mas o seu célebre retrato de Mao Zedong (1973) mostra como a pop art compreendeu rapidamente o valor do maior ícone revolucionário daquela época. Warhol colocou Mao no mesmo limiar simbólico de uma lata de sopa, de uma nota de dólar, de uma garrafa de Coca-Cola ou de um pacote de detergente - na época isto pareceu uma heresia para alguns. Na realidade Warhol apropriava-se de imagens universalmente conhecidas e tornava-as em imagens de marca da sua própria criação artística: objectos numa primeira fase, pessoas num segundo momento – foi quando, no trabalho do pintor, Mao conviveu com Marylin Monroe, Elvis Presley, Jacqueline Kennedy e Che Guevara. Quando Warhol fazia esta apropriação, passava ao mesmo tempo um certificado de credibilidade à imagem inicial que o inspirara, tornava-a em parte numa marca criativa.
A imagem de Mao – e da revolução chinesa – não surgiu apenas pela mão de Warhol. Os ícones da revolução desde cedo se tornaram boa fonte de rendimento nas sociedades ocidentais para os vendedores de T Shirts e de posters que encheram com os seus produtos, estampados com as caras de Mao ou de Guevara, os quartos e a imaginação dos protagonistas dos dias agitados de 1968, moda que entrou pelo início dos anos 70.
A revolução chinesa – como quase todas as grandes revoluções do século XX – foi muito iconográfica e mais não fez que seguir o exemplo da revolução soviética de 1917. Os dirigentes soviéticos desde cedo perceberam o valor da imagem (do vermelho, do contraste da foice com o martelo) e investiram talentos e recursos em cartazes, de um acutilante propagandismo baseado no hiper-realismo, cartazes que pretendiam divulgar objectivos políticos, assim como mobilizar apoiantes; mais tarde utilizaram cineastas como Vassiliev ou Eisenstein para fins idênticos e fabricaram filmes revolucionários onde a estética realista mostrava o que ainda não existia, e era apenas um modelo ou um objectivo. A estrela vermelha começou por pretender ser o farol da revolução e, nos anos 80, acabou a servir de marca a jeans e de inspiração a capas de discos e logótipos variados.
No caso chinês, o formato das enormes bandeiras vermelhas, sobre o alto em vez de ser sobre o comprido, acabou por inspirar os desenhadores de bandeirolas publicitárias. Da mesma forma a combinação improvável, mas irresistível, do vermelho e do amarelo vivo, acabou por ser utilizada numa série de outras situações que nada tinham a ver com a revolução.
Subconscientemente, nos símbolos das revoluções, combina-se a utopia de um ideal com a energia da luta, a afectividade a uma causa com um desejo de mudança. A utilização da simbologia das revoluções de forma comercial tem a ver com isto mesmo, com a utilização dos factores subconscientes que tornam os ícones da revolução em marcas massificadas e invejáveis.
Não me surpreenderia se, depois de passar a fase em que está a resolver o conflito interior com o seu passado recente, a China retomasse a imagem de Mao e utilizasse a sua enorme carga simbólica como imagem de marca internacional. A História já viu coisas mais improváveis – e, se isso acontecer, Pequim limitar-se-à a fechar o círculo com a Nova York onde Warhol criou os seus heróis.
(publicado no «Diário Económico» de 31 de Janeiro)
marcas da revolução
Andy Warhol estava bem longe de poder ser considerado um maoísta – mas o seu célebre retrato de Mao Zedong (1973) mostra como a pop art compreendeu rapidamente o valor do maior ícone revolucionário daquela época. Warhol colocou Mao no mesmo limiar simbólico de uma lata de sopa, de uma nota de dólar, de uma garrafa de Coca-Cola ou de um pacote de detergente - na época isto pareceu uma heresia para alguns. Na realidade Warhol apropriava-se de imagens universalmente conhecidas e tornava-as em imagens de marca da sua própria criação artística: objectos numa primeira fase, pessoas num segundo momento – foi quando, no trabalho do pintor, Mao conviveu com Marylin Monroe, Elvis Presley, Jacqueline Kennedy e Che Guevara. Quando Warhol fazia esta apropriação, passava ao mesmo tempo um certificado de credibilidade à imagem inicial que o inspirara, tornava-a em parte numa marca criativa.
A imagem de Mao – e da revolução chinesa – não surgiu apenas pela mão de Warhol. Os ícones da revolução desde cedo se tornaram boa fonte de rendimento nas sociedades ocidentais para os vendedores de T Shirts e de posters que encheram com os seus produtos, estampados com as caras de Mao ou de Guevara, os quartos e a imaginação dos protagonistas dos dias agitados de 1968, moda que entrou pelo início dos anos 70.
A revolução chinesa – como quase todas as grandes revoluções do século XX – foi muito iconográfica e mais não fez que seguir o exemplo da revolução soviética de 1917. Os dirigentes soviéticos desde cedo perceberam o valor da imagem (do vermelho, do contraste da foice com o martelo) e investiram talentos e recursos em cartazes, de um acutilante propagandismo baseado no hiper-realismo, cartazes que pretendiam divulgar objectivos políticos, assim como mobilizar apoiantes; mais tarde utilizaram cineastas como Vassiliev ou Eisenstein para fins idênticos e fabricaram filmes revolucionários onde a estética realista mostrava o que ainda não existia, e era apenas um modelo ou um objectivo. A estrela vermelha começou por pretender ser o farol da revolução e, nos anos 80, acabou a servir de marca a jeans e de inspiração a capas de discos e logótipos variados.
No caso chinês, o formato das enormes bandeiras vermelhas, sobre o alto em vez de ser sobre o comprido, acabou por inspirar os desenhadores de bandeirolas publicitárias. Da mesma forma a combinação improvável, mas irresistível, do vermelho e do amarelo vivo, acabou por ser utilizada numa série de outras situações que nada tinham a ver com a revolução.
Subconscientemente, nos símbolos das revoluções, combina-se a utopia de um ideal com a energia da luta, a afectividade a uma causa com um desejo de mudança. A utilização da simbologia das revoluções de forma comercial tem a ver com isto mesmo, com a utilização dos factores subconscientes que tornam os ícones da revolução em marcas massificadas e invejáveis.
Não me surpreenderia se, depois de passar a fase em que está a resolver o conflito interior com o seu passado recente, a China retomasse a imagem de Mao e utilizasse a sua enorme carga simbólica como imagem de marca internacional. A História já viu coisas mais improváveis – e, se isso acontecer, Pequim limitar-se-à a fechar o círculo com a Nova York onde Warhol criou os seus heróis.
(publicado no «Diário Económico» de 31 de Janeiro)
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