January 01, 2006

UMA CIDADE DESAPARECIDA

Lisboa vive no ingrato papel de ser simultaneamente a Capital e a cidade dos lisboetas. Na maior parte do tempo, os lisboetas foram derrotados pelo Estado. Existe uma quase fatal oposição entre aquilo que Lisboa deve ser como cidade, e aquilo que o Estado quer de uma Capital. O Estado olha para Lisboa como um território instrumental, parte de uma política, e não como um fim em si próprio. Quem está à frente da autarquia lisboeta deve pensar exactamente o contrário. E deve fazer afirmar a sua posição.
Nos últimos dez anos Lisboa afirmou-se e bateu o pé, ganhando identidade. No entanto, aquilo que se começa a assistir, agora, é que o Estado toma decisões que condicionam – e às vezes prejudicam – Lisboa. O caso da Ota é exemplar do ponto de vista da arbitrariedade centralista de um Ministro das Obras Públicas que tem um código genético autoritário, protegido por um Primeiro Ministro que tem tendência a ler na cartilha do despotismo iluminado.
A Ota surge em nome do «bem-comum», e aos poucos a iniciativa das questões que envolvem Lisboa passa da Praça do Município para S.Bento.
Até no negócio em torno da colecção Berardo o Primeiro Ministro viu vantagens em afastar as outras partes interessadas, chamando a si os louros da decisão, mais uma vez em nome do diáfano «bem comum».
Uma cidade como Lisboa só pode viver com uma estratégia própria, que a compense dos custos de ser Capital, do que isso traz de desconforto – e de prejuízo – aos seus habitantes. Uma cidade como Lisboa não pode ser governada em S. Bento, género alfinete de peito que se leva no fato de cerimónia para as ocasiões especiais.
Em Lisboa as águas andam demasiado paradas. Por este andar estão inquinadas lá mais para o Verão.