January 01, 2006

REVISÃO DA MATÉRIA DADA

Antes de entrar nas escolhas de 2005, quero deixar um voto para 2006: que em todas as áreas, em todos os sectores, quem decide possa definir de forma clara as prioridades; que a conjuntura não se sobreponha ao médio e longo prazo; que a coragem não se deixe vencer pelo populismo; que a arbitrariedade não se torne no standard da maioria absoluta. Vamos então ao ano que está a terminar.

Comecemos pela música, a portuguesa. Ano pujante, a merecer destaques variados. O primeiro vai para a banda sonora do filme «Alice», composta por Bernardo Sassetti, claramente uma das melhores edições de 2005. Saltando para a área do rock o destaque vai para os Wray Gunn com «eclesiastes 1.11», que este ano teve uma bem merecida internacionalização. No hip hop Boss AC tem a primazia com «Ritmo, Amor e Palavras», uma prova de que alguma da melhor poesia se faz no contexto da música de expressão urbana. O prémio revelação vai para Marta Hugon, com o seu «Tender Trap», um disco de standards de jazz com arranjos subtis, cantados de forma convincente e criativa pela voz de Marta Hugon. Na área da música contemporânea o destaque vai para o colectivo virtual Rocky Marsiano, com o seu «The Pyramid Sessions», que revela um vigor e modernidade que dificilmente encontra paralelo por estas paragens. Finalmente na música clássica o destaque vai inevitavelmente para «Quadros De Uma Exposição» do pianista Domingos António.

Nas músicas mais internacionais escolho momentos variados: No pop destaco o disco «I Am A Bird Now» de Antony And The Johnsons e o regresso de Fiona Apple com «Extrordinary Machine»; no rock, sublinho o segundo disco dos Franz Ferdinand, «You Could Have It So Much Better» e «Guero» de Beck; no hip hop uma chamada de atenção para o inesperado «Think Differently Music - Wu Tang Meets The Indie Culture» dos Wu Tang; na música clássica recordo a «Opera Proibita» de Cecília Bartoli; no jazz escolho colectânea «Get Happy- The Harold Arlen Centennial Celebration» e, entre as edições do ano, o «Flow» de Terence Blanchard.

Por mais voltas que se dê ao texto, um nome incontornável em 2006 é o de José Mourinho. Na edição desta semana da London Review of Books vem uma curiosa recensão de um livro que tenta analisar a razão do êxito de Mourinho como treinador do clube londrino. O livro chama-se «Mourinho: Anatomy Of A Winner», e foi escrito por Patrick Barclay, um jornalista desportivo britânico. Como é que a arrogância natural de Mourinho conseguiu sobreviver numa Grã Bretanha atavicamente pouco dada a atitudes dessas é um dos mistérios que a obra tenta explorar.. Uma pessoa que muito admiro, estimo e aprecio, tem sobre estas matérias uma opinião lapidar. «do desporto à gestão, passando pela política, há uma verdade incontornável: quanto mais se treina, mais sorte se tem».

Para mudar de ares, nas exposições, escolho a fotografia como tema e permito-me destacar três momentos: a retrospectiva de Paulo Nozolino em Serralves, a magnífica (mas mal apresentada) exposição de Joshua Benoliel no contexto da Lisboa Photo, na Cordoaria, e, ainda no contexto da Lisboa Photo, a exposição apresentada na Plataforma Revólver, «Imagens Privadas», comissariada por José Maçãs de Carvalho.

Vou passar quase por cima dos livros – porque esta é a área onde não hão-de faltar balanços. Mas para desassossegar as hostes escolho dois romances. O português, de matriz histórica, é «O Cavaleiro da Águia» de Fernando Campos, uma viagem aos séculos XI e XII da nossa História. Na literatura internacional escolho «Never Let Me Go» (edição portuguesa já disponível, «Nunca Me Deixes»), de Kazuo Ishiguro, um olhar inquieto e perturbador sobre o futuro.

Pois passemos agora à comidinha, à difícil escolha daquele que merece ser considerado como o mais regular, simpático e agradável restaurante de Lisboa durante 2005. Para fazer esta escolha há várias coisas que entram em linha de conta: em primeiro lugar a qualidade da comida, dos ingredientes à confecção; em segundo lugar a criatividade da lista; em terceiro lugar a variedade da garrafeira; em quarto lugar a qualidade do serviço, desde a marcação até à sala; em quarto lugar a relação qualidade-preço. Tendo em linha de conta todas estas variantes não tenho muitas dúvidas em indicar o Restaurante Luca como o que mais merece ser distinguido em 2005. Fica na Rua de Santa Marta 35 ( telefone 21 315 02 12) e se não fosse a dedicação posta pelo seu proprietário em todos os detalhes, a atenção e a simpatia para os clientes, tudo seria diferente. Que o Luca não se estrague é o meu sincero desejo.

Back To Basics: «As pessoas que se gabam de não terem vícios têm muito poucas virtudes» - Abraham Lincoln.