May 10, 2004

A PARTICIPAÇÃO CÍVICA em Portugal é um problema: as pessoas participam pouco, debatem pouco, não estão habituadas a trabalhar para a comunidade. Depois dos entusiasmos de há 30 anos a participação política nos partidos foi-se rarefazendo e o resultado é um progressivo afastamento dos partidos em relação à sociedade. Se a participação cívica é fraca, a participação política é uma desgraça. Pior ainda, a intervenção política passou a fazer-se por meios ínvios: as pessoas misturam a sua actividade com a expressão da sua opção – o que não quer dizer exprimir a opinião, mas fazer ilegitimamente prevalecer a posição e a opinião política e ideológica no dia a dia das suas actividades, sem para isso terem sido escrutinados pelo voto.

OS POLÍTICOS, em grande parte, ajudam pouco a mudar este estado de coisas. Os partidos foram criando um regimento de indefectíveis, prontos para tudo, e salvo raras excepções preocuparam-se muitíssimo pouco em fazer aumentar a participação. Muitas vezes, também, os políticos no poder são autistas e ouvem só os que lhes são muito próximos. Escudados na retórica, a generalidade dos políticos agita bandeiras em calendários pré-definidos, mistura a realidade com os desejos e não faz uma análise séria das situações. O resultado é que quando chega ao poder começa a dar o dito por não dito, inflecte objectivos, muda estratégias, arrepia caminho. Este triste estilo é a norma.

NESTE PANORAMA, quem tenta cumprir objectivos, quem persiste em efectivar promessas eleitorais, é apelidado de populista; quem consegue manter opções estratégicas é acusado de jogar com os sentimentos do eleitorado; quem cede na negociação é elogiado pelo elevado sentido de responsabilidade demonstrado. Privilegia-se o cinismo e a hipocrisia. A demagogia – prometer o que nunca vai ser feito – é premiada, enquanto o trabalho efectivo é penalizado. Embora não pareça, as coisas estão ao contrário do que deviam ser.

CHAMA-SE POPULISTA a quem tenta cumprir o prometido em campanhas eleitorais através de meios claros e processos transparentes. Usa-se o termo «populista» como se usava o termo «fascista» há uns anos atrás. Todos os que não gostam de reformas nem de mudanças acusam quem as tenta fazer de «populismo». O consenso vacilante é elogiado, a determinação é criticada. Também isto não ajuda a que a política possa viver de reformas e mudanças. Também isto faz com que os que vão apenas flutuando no mar da ineficácia sejam beneficiados.