December 06, 2003

ESQUINA ESCRITA
NA SEMANA PASSADA


O SEGREDO DE CAMPO DE OURIQUE


Um dia destes, por graça, escrevi no meu blog que viver em Campo de Ourique me punha bem disposto. Acho que nunca tive tanta resposta a um «post» de blog como neste caso. Até de França uma nativa do bairro me escreveu, informando que todas as últimas sextas-feiras do mês os mais tradicionais campo-ouriquenses (será assim que se diz?) se reúnem num jantar, que, pelos vistos, deve ser hoje : «Não esqueçam que a proxima sexta feira é a ultima do mês de Novembro e que como tal é o famoso dia, ou antes noite, do jantar dos "antigos" da Tentadora».
Tomei conhecimento com Campo de Ourique através de uma descrição catártica do bairro feita em «O Que Diz Molero», de Diniz Mchado. Se bem me lembro era a historieta de uma fuga, apimentada com colorido local. Era eu menino e moço, e vivia no Bairro de S. Miguel, à Avenida de Roma, quando li o escrito e fiquei cheio de juvenil curiosidade sobre aquele distante local da cidade onde tão características personagens serviam de alimento à inspiração dos ecritores.
Acabei lá caído uns 25 anos depois e desde há uma década que me encanto com o Bairro. Há várias razões para isto: é um dos derradeiros bairros da cidade, um dos sobreviventes bairros de Lisboa com vida própria, com comércio onde todos se conhecem, com pequenas lojas como já não existem, ao lado de «franchisings» de grandes marcas ou de lojas de design. Aqui o comércio de rua não é uma palavra vã.
Campo de Ourique tem uma vantagem muito especial sobre outros bairros: é plano, está assente num dos raros planaltos de Lisboa, que vai da Estrela às Amoreiras. Em Campo de Ourique anda-se naturalmente a pé. Passeia-se, em vez de andar de carro. Visita-se uma loja, espreita-se outra, descobre-se um recanto, troca-se meia dúzia de palavras com o vendedor de jornais ou o homem da farmácia, pode-se pedir para guardar pão, até as empregadas do supermercado – mesmo as emigrantes estrangeiras – acabam por nos conhecer e cumprimentar. Mais: em Campo de Ourique há vizinhos, não do andar do lado, mas da mercearia de ao pé da porta. Nas lojas da minha rua, a Rua do Patrocínio, há fruta que não é toda igual, sabe a fruta e não é importada de lugares exóticos – vem das Caldas da Rainha; há uma loja de botões; a deliciosa Tasquinha d’Adelaide; o velho bar Paródia; a igreja dos Alemães e um largo com um chafariz ao pé da Embaixada da Suiça, que o meu bom amigo Fernando Assis Pacheco me fez um dia descobrir.
Se há uma coisa em que Campo de Ourique está bem fornecido é nos restaurantes: desde a já citada Tasquinha, até ao Solar dos Duques, passando pelo Coelho da Rocha, o Bem-Disposto, o Stop do Bairro, o Retiro do Marisco (que pica-pau....), o Tico-Tico (uma das melhores cervejarias da cidade), o Verde Gaio dos grelhados, aqui há de tudo um pouco, para todas as bolsas, mas sempre com qualidade e um serviço simpático. Até o restaurante chinês ao lado de casa me parece invulgarmente bom e as línguas de veado do Café Canas são de longe as melhores de Lisboa.
Mas há mais: uma loja de produtos rurais sempre com queijos, enchidos e doces do melhor, uma pequena confeitaria com doce de abóbora e empadas de galinha irresistíveis, o próprio Mercado Municipal que tem uma variedade rara de produtos da melhor proveniência – como é de bom tom dizer-se, e, finalmente, a Garrafeira de Campo de Ourique, onde pontifica o Sr. Santos, sempre disposto a uma sugestão equilibrada que concilie a qualidade com o preço e nos faça descobrir bons vinhos sem nos arruinar.
Mas o melhor mesmo é que este percurso que acabei de contar se faz com todo o ripanço do mundo numa hora bem passada das manhãs de sábado. Não há muitos sítios assim. É este o segredo de Campo de Ourique.