June 16, 2005

O PAVÃO
Mão amiga fez-me chegar às mãos um artigo de António Barreto sobre Manuel Maria Carrilho, publicado no «Público de 14 de Novembro ded 1999, a propósito da demissão, então recentemente ocorrida, de Artur Santos Silva da Porto- Capital da Cultura.

Um Homem Sem Qualidades
Manuel Carrilho, pseudónimo, no Portugal dos anos 90, de ministro da Cultura, é um dos homens mais felizes do país. Viu-se livre de um homem sério, geralmente respeitado, independente, bom profissional e competente: tudo qualidades que o ministro detesta nos outros, mas sobretudo abomina em si próprio. Obteve, após meses de velhacarias, a demissão de Artur Santos Silva. Vai fazer, a partir de agora, o que melhor sabe: comprar. Comprar fiéis, idólatras e servos. Tarefeiros e consciências. Criaturas que o sigam e amem. Gente que, para si, escreva, declame e dance. Câmaras e freguesias. Funcionários e dependentes. Vai comprar o que pode, a fim de tentar fazer, pelo menos, tão mau quanto Lisboa-94. Com um objectivo permanente, uma coerência: aparecer, ser fotografado, inaugurar, dar entrevistas, discursar. Ser visto com "top models" e intelectuais dos "boulevards". É esse o seu programa. Sem densidade política, mas grosso de pensamento, sem modos nem educação, mas atento ao vestuário, este ministro da Cultura sofre de vaidade para além do que clinicamente se conhece.
Carrilho, traiu e desautorizou Guterres. Sonso, venceu o primeiro ministro. Nunca quis Santos Silva na capital da cultura. Nunca quis nada que viesse dele e dos seus colaboradores. Não que tivesse concepções diferentes, coisa de que parece carecer. Mas não suportava a ideia de que a cidade do Porto não se organizasse exclusivamente para sua glória, sua, dele, ministro rasca de governo débil. Por boas ou más razões, Guterres tinha escolhido Santos Silva. À volta deste, tinha-se criado entusiasmo e simpatia. Desde o primeiro dia, o "dandy" da Kultura, com o seu sotaque parisiense suburbano, tinha-se esmerado a fazer a vida negra ao banqueiro que, horror dos horrores, nada pretendia do governo. Fez quanto pôde para atrasar o início dos trabalhos e emperrar a organização. Sabotou, nomeou criaturas suas, tentou controlar, obrigou a cerimónias para se fazer fotografar bem vestido no quartier, desviou dinheiros para o seu orçamento, mandou bobos esganiçados prestar declarações, faltou a compromissos, não cumpriu a palavra dada e não respeitou contratos que assinou. Fez o possível por contrariar a ideia de que uma capital da cultura poderia ser coisa diferente de uma série de manifestações para titilação da burguesia endinheirada. Em menos de um ano, vingou-se do primeiro ministro: liquidou-lhe as escolhas, derrotou a sua orientação. E o primeiro ministro, cada vez mais desinteressado, já sem vocação para obras ou problemas e com uma crescente insensibilidade ao conceito mesmo de serviço público, deixou-se ir na ratoeira que lhe preparou este pavão de província.