April 26, 2005

PRIORIDADES FLUTUANTES

Um dos crónicos problemas portugueses, passados que estão 31 anos sobre o 25 de Abril, é a variação constante de prioridades do Estado. Nem naquelas coisas que deviam ser consensuais (como a educação, a saúde, a justiça), se conseguiu definir uma estratégia nacional que fosse seguida além da prática conjuntural (e ela própria também oscilante) do partido que está no poder.
A brincar a brincar já levamos em liberdade , assim por alto, 2/3 do tempo que levámos de ditadura – portanto isto não é bem o resultado de uma crise juvenil. Há aqui um problema de fundo que é preciso encarar de frente e arrisco-me a dizer que traçar uma estratégia que seja coerente, que tenha em conta as necesidades sociais básicas do país e que perspective um caminho consistente para o desenvolvimento, é a mais importante das tarefas que cabe a um futuro Presidente da República, já que os que até agora existiram não conseguiram criar essa plataforma de entendimento. Isto terá que ser feito, claro, com o Governo – mas a verdade é que os Governos são desgastados pelo imediatismo, pelas pressões internas dos partidos que os sustentam, pela dialéctica da guerrilha política e, por isso mesmo, não se conseguem distanciar o suficiente para no pós-eleitoral traçarem estratégias de médio-longo prazo.
Os anglo-saxões têm uma expressão - «jump out of the box» - que sempre me atraíu. Para criar algo novo é preciso sair dos mecanismos habituais, ser inconformista, liderar a opinião pública e não apenas seguir a que existe. Sem isso não vamos avançar grande coisa e havemos sempre de andar mais preocupados com a conjuntura do que com o futuro. E nada de novo acontecerá
O GRANDE PROJECTO

FUTURO - Nicholas Negroponte, o fundador do célebre Media Lab do Massachussets Institute of Technology, lidera uma equipa que está a estudar a possibilidade de produzir em massa computadores portáteis com capacidade de navegar na net e caracteristicas multimedia e que possam ser vendidos ao preço unitário de 100 dolares, com o objectivo de fomentar a utilização da tecnologia por jovens estudantes das zonas mais pobres do globo, dos países em vias de desenvolvimento. A ideia é que sejam os Governos locais a comprar os computadores, que depois serão distribuídos às escolas e estudantes. O lema deste projecto é «um laptop para cada criança». A equipa de investigadores já recebeu seis milhões de dolares dos três parceiros iniciais que estão a financiar o projecto: a Advance Micro Devices, a Google e Rupert Murdoch. A missão da equipa é tornar os computadores portáteis uma coisa vulgar nas regiões mais desprotegidas e Negroponte baseia-se numa constatação – o preço de um destes aparelhos será menor que o custo dos livros escolares que a máquina pode substituir com vantagem. As máquinas, que serão resistentes e duráveis, terão apenas o software básico necessário, que operará sobre um sistema operativo Linux e serão equipadas com uma bateria capaz de ser recarregada por um gerador manual de manivela, para que a falta de electricidade em regiões remotas não seja problema; terão conectividade wi-fi e portas USB para possibilitar a ligação a periféricos e capacidade de ligação imediata em rêde de máquina para máquina. A procissão ainda vai no adro mas este é um dos mais entusiasmantes projectos para que num futuro próximo se reduzam as diferenças no novo mundo digital entre as várias regiões do globo. Um estudo recente efectuado em 53 países mostra que o abismo ainda é enorme: a possibilidade de uma casa no Canadá (o país mais equipado) ter um computador é 131 vezes superior à sua existência numa casa na Indonésia.

LER – Taisen Deshimaru é um monge budista que durante alguns anos se dedicou à divulgação do Zen na Europa. Uma das peças fundamentais dessa divulgação é o livro «Verdadeiro Zen», agora editado em Portugal pela Assírio & Alvim, depois de ter sido originalmente editado em França em 1971. No mesmo volume a edição portuguesa agrupa a «Introdução ao Shobogenzo», o livro sagrado do budismo zen japonês, escrito no século XIII. Na introdução a «Verdadeiro Zen», Mestre Taisen Deshimaru sublinha: «Para preservar a liberdade, é necessário sacrificar a paz; para salvaguardar a paz, é necessário alienar a liberdade – é esta a falsa alternativa na qual o pensamento cria raízes, hoje em dia. Destes dois conceitos opostos, o primeiro pretende a liberdade a todo o custo, mesmo correndo o risco da guerra; o segund, apregoa a paz acima de tudo, arriscando a perda da liberdade. Devemos harmonizar estas contradições, voltando às suas origens. É esta a atitude característica do zen, a Via do Meio: abraçar as contradições, fazer com elas a síntese e realizar o equilíbrio.» Depois de ler estas linhas não consegui mais parar.

OUVIR – O quarto disco dos Garbage é um manual de simplicidade. Continua a ser produzido por Butch Vig e as canções continuam a ter a voz única de Shirley Manson. Os temas deste novo «Bleed Like Me» são rock directo sem artifícios nem efeitos especiais, apenas temperado pela voz forte, envolvente e sensual de Shirley. Ouçam a canção que dá título ao álbum e depois digam lá se as coisas simples não são as melhores da vida. (CD Geffen/WEA)

COMIDINHA – Já chegaram as sardinhas. As primeiras do ano. Ainda não são encorpadas, mas já se deixam comer. Não há petisco melhor e mais simples: sardinhas assadas, com salada de pimentos, talvez uma batata com um fio de azeite, de preferência um bom pão às fatias para se ir embebendo na gordura que escorre do peixe.

REMATE – Saber sair de palco é tão importante como saber lá estar em cima.

April 16, 2005

POLÍTICOS E CONFIANÇA

CONFIANÇA - O bom senso manda que um político não se lamurie quando perde a confiança dos seus eleitores, apoiantes, colaboradores. O bom senso manda é que se interrogue sobre as razões da perca. E, sobretudo, o bom senso manda que nunca diga que perdeu a confiança em alguém quando o próprio não é capaz de a conseguir alimentar. O trabalho dos políticos é conquistar confiança, provar que pode ainda continuar a merecer confiança - e não avaliar a confiança dos outros. O resto é ver o mundo ao contrário e isso geralmente dá muito mau resultado – como está à vista. É o que acontece quando se quer apenas ouvir vozes concordantes à volta. As acções ficam com quem as pratica – nomeadamente as vinganças mesquinhas e as mentiras que se espalham para as justificar.

POLÍTICA – Tudo o que se passou nos últimos meses deve fazer-nos pensar. Pode ser que do resultado das eleições, do funcionamento do novo Governo, do resultado do Congresso do PSD, comece a nascer uma nova forma de fazer política que volte a colocar na agenda conquistar e merecer manter a confiança dos eleitores e que possibilite trazer a dignidade de volta à actividade política – que é suposta ser em prol do bem colectivo e não para gáudio individual de quem tem o poder. Pode ser que, com o tempo, se volte a viver a política de forma civilizada e digna – algo que se perdeu nos últimos meses onde a falta de elevação foi uma regra e a ilusão um princípio.

NOVO – A revista britânica «New Media Age» anuncia na sua mais recente edição que um grupo de cinco das maiores agências de publicidade a nível mundial está a desenvolver estratégias para a criação de departamentos próprios de marketing através de plataformas móveis, nomeadamente telemóveis e banda larga e algumas encaram a compra de empresas especializadas já existentes como forma de acelerar a aquisição de know-how na área. Entretanto a Online Publishers’ Association da Europa anunciou que as receitas publicitárias dos media online cresceram cerca de 30% em 2004 em relação ao ano anterior, prevendo-se 25% de aumento para o ano em curso.

TOP – A partir desta semana, no Reino Unido, os downloads de canções a partir de serviços legalizados, como o iTunes, vão passar a contar para o Top dos singles. Segundo especialistas da indústria discográfica, em cada semana são vendidos 775.000 singles e são efectuados 400.000 downloads legais.

LIVRO – Preciso de um estado de espírito especial para ler poesia e nem sempre isso se consegue. Nestes dias deliciei-me com o «Duende», um livro de António Franco Alexandre com 52 poemas, que já ganhou o prémio D. Dinis da Fundação da Casa de Mateus e que é uma edição de 2002, da Assírio e Alvim. Não me saem da cabeça estas palavras: «fica dentro de mim, como se fosse eterno o movimento do teu corpo». Está no poema 3, pag 11.

MÚSICA – A cantora de jazz Dee Dee Bridgewater foi-me feita descobrir há uns anos atrás pelo José Ribeiro da Fonte, com quem aprendi muitas coisas. O seu novo disco «J’ai deux amours» é feito de interpretações bastante livres de standards franceses como «La Mer» de Charles Trenet, «Ne me Quitte Pas» de Jacques Brel, «Et Maintenant» de Gilbert Bécaud, «La Vie en Rose» de Edith Piaf ou «Les Feuilles Mortes» de Jacques Prévert. O produtor também toca o acordeão e chama-se Marc Berthoumieux e conseguiu dar um ar bem «swingante» a estes temas clássicos. CD Universal.

COMIDINHA – Uma das coisas fundamentais num bom restaurante é espaço para que o prazer da mesa seja vivido sem apertos. No «Lagar de S. Vicente», em Telheiras, há espaço em fartura, com mesas amplas e bem afastadas uma das outras. Num edifício novo a fazer lembrar um velho lagar, faz-se boa cozinha portuguesa tradicional, bem confeccionada, com boas matérias primas e um serviço simpático. Preço médio, garrafeira média. Rua Professor Francisco Gentil, telef. 217541980.

REMATE – «Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és», velho ditado muito aplicável aos partidos e aos políticos profissionais. E muito adequado nos dias que correm.

April 11, 2005

NOVOS CONCEITOS

REVOLUÇÃO – A partir de 1 de Agosto os norte-americanos vão ter um novo canal de televisão por cabo, o Current, cujo alvo principal é o segmento 18-34 anos. O objectivo é trazer para o ecrã a voz e os interesses dos mesmos que são o principal sustentáculo e força de inovação na web. A programação, organizada em torno de slots curtos, abordará temas de tecnologia, moda, televisão, música e vídeo jogos, e assuntos como o ambiente, relações entre pessoas, espiritualidade, finança, política e conselhos para os pais. O Current é uma iniciativa do ex vice-presidente Al Gore, conta com o apoio da Google. A Current propõe-se ainda possibilitar a qualquer telespectador poder exibir as suas próprias imagens de vídeo e vai ter pequenos programas que ensinam a captar e editar imagens em handycams digitais exactamente com o objectivo de fomentar a participação dos espectadores na emissão.

BOLLYWOOD – A indústria de cinema da Índia é umas das mais poderosas do mundo, produz tantos filmes como os Estados Unidos e é conhecida em todo o mundo por Bollywood. A seu lado cresce uma também poderosa indústria de entretenimento. Um recente estudo da PricewaterhouseCoopers considera que a indústria de entretenimento indiana vai crescer a um ritmo sólido de 18 por cento ao ano durante os próximos cinco anos, ou seja promete duplicar a sua dimensão nesse período. O estudo considera que o volume total de facturação do sector, actualmente de 4,5 mil milhões de dólares, vai atingir os 10 mil milhões em 2009, com o sector da televisão e do cinema nos primeiros lugares, logo seguido do novo sector do entretenimento aplicado a telemóveis.

DEVORAR – A mais recente edição da revista «Egoísta», o número 22, de Março, com o coração por tema, evidenciado num recorte perfurante que atravessa o volume de capa a contra capa. Página a página encontram amor, paixão, devoção, raiva – tudo o que nasce do coração. Aviso já que sou parte interessada, escrevi sobre o amor sem fim de D. Pedro e D. Inês. Como sempre os textos são apenas uma parte da história, o resto vive de soluções gráficas, fotografias e ilustrações. Entretanto, orgulhem-se lusitanos e fiquem sabendo que a Egoísta, ganhou duas menções honrosas da Society of Publication Designers de Nova York (SPDNY), entre mais de sete mil concorrentes do mundo inteiro. Apenas 66 publicações foram premiadas e a Egoísta foi a única portuguesa a ter a honra. Aliás a Egoísta ganhou há dois anos, três prémios da SPDNY, e por isso é para bem de todos nós orgulhosamente repetente.

PAIXÃO – Acredito nalguns acasos. As coisas acontecem porque têm mesmo que acontecer, em determinada altura, de determinada maneira. Da mesma forma que a atracção entre duas pessoas é difícil de racionalizar, a rendição a um disco – quando é súbita e institiva – baseia-se na queda de todas as barreiras, reservas e máscaras. Há uma semana atrás não podia imaginar que o disco «On The Moon» de Peter Cincotti me fizesse redescobrir o prazer do romance contado em belas canções. Cincotti é um dos novos crooners americanos e neste seu segundo disco mistura versões de nomes como Cole Porter («I Love Paris»), com temas próprios dos quais destaco aquele que não me sai da cabeça e que é um bom descritivo da minha semana: «I’d Rather Be With You». Aqui está um disco surpreendente, como há muito não via. (CD Concord, distribuído por Universal Music).

SABOREAR – Comidinha argentina nas escadinhas do Duque, muito animadas, cheias de esplanadas. As escadinhas do Duque ligam o Largo da Misericórdia à estação de comboios do Rossio e estas argentinices ficam a meio da escadaria, no número 31 B. Entradas simpáticas à base de vários queijos e saladas e várias propostas de carninha bem tenrinha. Escolhi um bife de lombo com molho de marmelos em vinho tinto, tudo acompanhado pelo estimável Finca Flichman, um vinho argentino sério, honesto e razoável de preço. A carne é do melhor, o ambiente é fantástico, o serviço é airoso – airoso na forma e na substância - pode escolher-se entre uma sala de cores vivas e uma esplanada. A casa fecha às segundas, é prudente fazer reserva pelo telefone 213420739.

REMATE – Vamos lá a ver se o PSD não se lembra de deixar criar um tabu em torno da candidatura à Câmara de Lisboa.

April 04, 2005

COLOCAÇÃO – O «product placement» é uma forma de publicidade indirecta que consiste em colocar de forma visível nos ecrãs, de cinema ou televisão, determinados produtos. Os relógios Omega, os carros BMW e os telefones Nokia contribuíram com uma parte das receitas dos mais recentes filmes de James Bond e nas nossas estações de televisão é frequente vermos marcas de produtos (de refrigerantes a detergentes) estrategicamente colocados em evidência e com o rótulo perfeitamente visível. Pois bem, este é um mercado em expansão. Nos Estados Unidos a facturação da colocação de produtos no cinema e televisão subiu 44% em 2004, ultrapassando pela primeira vez a barreira dos mil milhões de dólares num ano. O maior crescimento foi na televisão (84% para um total de 522 milhões). Foi a primeira vez em que as colocações em televisão ultrapassaram as do cinema.

ALTA DEFINIÇÃO – Um estudo recente da firma In-Stat aponta para uma estimativa de 15.5 milhões de casas com televisores de alta definição no final deste ano em todo o mundo e estima que em 2009 o total será de 52 milhões de casas. Actualmente existem em todo o mundo 10 milhões de casas equipadas. Os serviços de alta definição são já comuns na Austrália, Canadá, Japão, Estados Unidos e Coreia do Sul. Só nos Estados Unidos existem actualmente quatro milhões de lares equipados, contra 1.6 milhões há um ano. Aqui está uma batalha que a Europa começa a perder, quando nem sequer se consegue estabelecer uma data média para a passagem de analógico para televisão digital terrestre em toda a União.

HOTEL – A edição de Março da prestigiada revista «Condé Nast Traveller» coloca na sua lista anual de preferências apenas um hotel português: o Hotel Olissippo Castelo, na Rua da Costa do Castelo, em Lisboa. São feitos elogios ao serviço, à vista e aos quartos. Ainda quanto à Ibéria, na Hot List 2005 da revista não há nenhum restaurante português mas é muito recomendado um em Madrid (o Moskada). Quanto a bares a escolha recai em Barcelona, no CDLC, na zona da nova Marina. O bar parisiense a visitar é o La Suite, dos mesmo criadores dos célebres Bains Douches.

SERVIÇO – Cada vez mais num restaurante o que me interessa é a combinação da qualidade do serviço com a comida e com o despretenciosismo. Há tascos com grande comida e grande serviço e restaurantes de luxo asquerosos de antipatia e mau serviço, mesmo que a «nouvelle cuisine» transborde de referências. A coisa mais irritante do mundo, a par com a existência de uma única marca de cerveja que «patrocina» a casa, é o olhar vago dos empregados, que ficam presos no horizonte, sem terem atenção às mesas, que se esquecem dos pedidos e da sequência em que a mesa deve ser servida. Comer fora é suposto ser um prazer e não uma tortura.

LEITURA – A edição britânica, de Abril, da revista «Vanity Fair», consagra a capa às novas super-modelos que vêm de Leste. O portfolio leva-nos a temer o pior em matéria de capacidade de concorrência dos novos estados da União.

BANDA SONORA – O «Jerome Kern Song Book», com arranjos e direcção de orquestra de Nelson Riddle e interpretação da grande Ella Fitzgerald é uma reedição imperdível. O original data de 1963 e foi agora reeditado na bendita série «Verve Master Edition» que a Universal nos fez o favor de colocar no mercado. Jerome Kern foi um dos grandes compositores de peças da Broadway e este disco inclui as versões de Ella para temas como «Let’s Begin», «All The Things You Are», o grande «I’m Old Fashioned» ou o irresistível «Can’t Help Lovin’ Dat Man».

COMIDINHA – Já aqui falei da casa uma vez, mas agora volto ao assunto: no Edifício do Tivoli Fórum fica o Café 3. É um bom espaço, com boa comida, uma boa equipa na sala a não deixar o serviço escorregar e um ambiente simpático. Ao almoço a coisa é animada e os preços são razoáveis. Bom parqueamento ao pé (no parque do edifício ou no Parque Mayer).

REMATE – Os que pensam que Carrilho é um diletante que não trabalha nem é prático estão muito enganados.